segunda-feira, julho 13, 2015

Assim Nasceu 


Portugal

(Domingos Amaral)


Episódio Nº 14











A esta hora, quando sol nasceu a leste, e enquanto o arqueiro se volta a aproximar dele, Dona Teresa ainda deve estar a dormir.

Costuma levantar-se tarde ao contrário do marido galego que no outro quarto. O menino não consegue falar com Bermudo, pois ele raramente fala. O personagem parece mudo e tolo, só abana a cabeça confirmando qualquer ordem da autoritária esposa.

Tudo o que Bermudo diz é:

 - Bom dia.

E horas depois:

 - Boa noite.

O menino observa uma última vez as tropas do califa. Nunca teve jeito para contas mas ouviu dizer que são milhares.

Pergunta a si próprio o que faria seu pai contra tantos. Foi vê-lo morrer num quarto sombrio da distante Astorga, e aquelas barbas falantes continuam dentro da sua cabeça.

À noite, visitam-no, enormes e perturbadoras, e falam muito, falam sempre com ele, mas raramente percebe o que dizem. O pai é um fantasma mas o menino gosta muito dele.

Então, semicerra os olhos, sente uma fúria a crescer no coração, firma os dedos no granito da ameia e decide fazer uma promessa ao seu defunto pai.

Lutarei até à morte e não deixarei Portugal cair nas mãos dos serracenos!

No quarto do castelo, nessa manhã, eu e meus irmãos ouvimo-lo gritar. Embora eu fosse o mais dorminhoco dos três já tinha acordado e preparava-me para ir brincar quando escutei aquela berraria do meu melhor amigo, Afonso Henriques.

Aos gritos, ele prometeu ao conde Henrique, em lutar, lutar sempre e se houve promessa que o meu melhor amigo cumpriu durante a sua longa vida foi aquela que fez ao pai, ao sol e às nuvens, aos oito anos, no alto da torre do castelo de Coimbra, em frente dos exércitos de Ali Yusuf.

Portugal começou como o fruto de uma promessa infantil.



Coimbra, Julho de 1117

Durante um passeio pela muralha de Coimbra, meu tio Ermígio e meu pai, Egas Moniz, chegaram a uma óbvia conclusão: era à divisão entre os cristãos que se devia a ousadia do califa almorávida que cercava a cidade.

Desde a morte de Afonso VI, oito anos antes, os reinos peninsulares viviam numa bulha permanente que os tornava vulneráveis.


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