(Domingos Amaral)
Episódio Nº 13
A verdadeira mãe de Afonso Henriques foi sempre a minha mãe, Dórdia Viegas. Ela mimava-o, penteava-o, vestia-o, à noite levava-o para a cama e fazia-lhe o sinal da cruz na testa, como a mim, ao Afonso ou ao Soeiro. Tratava-o como nos tratava a nós os três, seus filhos. Com ternura, como uma mãe deve.
E ele retribuía. Amava-a
como nós a amávamos, sempre de roda dela a pedir coisas, a reclamar atenção.
Uma vez o Afonso Henriques
disse-me:
- Deus é injusto. O meu pai morreu, tinha eu
três anos, não o conheci, só às suas barbas cinzentas e falantes. E Dórdia, a
minha única mãe, morreu naquele dia do cerco a Coimbra!
Para minha grande tristeza e
de toda a família dos Moniz de Ribadouro, Dórdia Viegas já arfava muito, tinha
de sentar-se constantemente, e à mesa estava sempre com um ar calmo de mais,
como quem tinha muitas dores mas sofria em silêncio, para não incomodar os
outros.
Tanto o meu amigo como eu
que, se ela subisse ao céu, ninguém mais nos iria dizer:
- Vinde dar-me um beijo!
Isso entristecia-o muito,
dizia-me o meu melhor amigo, e era por isso que fazia um esforço para imaginar
combates sangrentos logo de manhã no alto do castelo de Coimbra.
Enquanto o arqueiro suspende
a ronda, a um canto da torre, o menino mira de novo a faustosa do califa, e
promete a si próprio que quando for grande o vai derrotar.
Terá de aprender a usar a
enorme espada de seu pai, a montar, a vestir a cota de malha e a armadura, mas
será o mais hábil, corajoso e destemido cavaleiro do condado de Portucalense.
Agora sente-se forte,
imaginar vitórias animou-o, mas logo se lembra do que ouviu Egas ou Ermígio
dizerem, que sem Paio Soares a comandá-las as tropas de Dona Tereza pouco
valem, pois Bermudo de Trava, seu marido, não nasceu para empunhar a espada!
Ontem, escutou também as
meninas árabes a intrigarem, aos risinhos, nas suas costas:
- A rainha não gosta do
Bermudo, gosta é do irmão, do Fernão!
O menino também já reparou
que Dona Tereza também nunca beija o marido em público, eles nem se tocam, não
há uma festa carinhosa, uma ternura visível. Nunca viu sequer um abraço e
sempre atribuiu essa falha à maneira de ser de Dona Tereza.
Dórdia diz que ela é arisca,
quando falam na condessa que agora se diz rainha, o que é raro, pois Dórdia
evita falar dela.
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