sexta-feira, julho 10, 2015

Volto com ela ou com a notícia.
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)




Episódio Nº 280

















Do paradeiro de Ção, fosse de dia, fosse de noite, ninguém dava notícia certa; de sua vida o pai e a mãe, resignados, carregavam a cruz. Sendo ela lesa, uma simples de Deus, sem tino de gente, impossível pôr-lhe freios, controlar-lhe os passos.

Tentar bem que tinham tentado, sem sucesso. Das Dores dissera e repetira a Altamirando ao vê-lo amiúde apoquentado por causa da filha:

- Deixa pra lá. Foi Deus que fez ela assim, fica aos cuidados
dele. Nós não pode fazer nada. - Temia que se o marido viesse a saber de tudo, enfurecido, matasse a pobre de pancada.

Assim era, não podiam fazer nada. Altamirando buscava seguir o conselho da mulher, deixar de mão, tratava de não esquentar a cabeça. Mas quando Cão aparecia para apascentar as cabras, acalentar os bacorinhos ou para mercadejar na feira; quando vinha correndo e se pendurava em seu pescoço, o sertanejo, sem nada demonstrar, sentia-se outro, leve e contente.

Uma boa menina, sua filha, não tinha culpa da moleira fraca, nascera assim, se havia um culpado era Deus que não tivera pena dela. Bonita como era, esquecida da cabeça, indefesa naquelas brenhas, melhor mesmo não pensar nas desgraças fáceis de acontecer.

Exaustos, nas últimas forças, Das Dores botando os bofes pela boca, terminaram de labutar com os porcos. Nada tinham podido fazer para salvar a lavoura.

Das Dores sentou-se num pedregulho, Altamirando anunciou:

- Vou me tocar por aí.

- Fazer o quê?

- Vou procurar ela. Tenho de encontrar.

- Vou com ocê.

- Pra quê? Tu fica aqui, tomando conta. Um sozinho ou dois junto, é a mesma coisa. Volto com ela ou com a notícia.

A notícia: outra coisa não podia ser. Deus que dá a vida, dá a morte, pensou Das Dores. Altamirando desceu o outeiro, entrou na água que lhe batia na cintura, vergou-se para a frente sob a chuva e o vento, e saiu a procurar a filha. Das Dores cobriu a cara com as mãos, pôs-se a chorar.

18

 A visão de Altamirando desnorteado, indo de um lado para outro, no meio das águas que cresciam, a perguntar pela filha se a tinham visto, onde, com quem, fazendo o que - causou tamanha impressão em Durvalino a ponto de levá-lo a enfrentar novamente a ira de Fadul Abdala, seu patrão a quem estimava, acatava  e temia:

- Seu Fadu, não me leve a mal mas tenho de ir...

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