(Domingos Amaral)
Episódio Nº 12
Nas margens, a duzentos
passos do acampamento, há quem nade, vê cabecinhas à superfície e corpos
inteiros seminus, a caminharem para o rio. Devem ir lavar-se logo pela manhã.
Os árabes lavam-se muito,
foi o que lhe explicou a menina moura, a mais nova, Zaida, que é muito mais
simpática do que a irmã mais velha, Fátima, que gosta de andar à bulha; isso já
deu para perceber nestes vinte e poucos dias que conviveu com elas em Coimbra.
Elas estão na cidade desde o
ano anterior, quando ficaram prisioneiras dos cristãos, depois do primeiro
cerco de Ali Yusuf.
Diz-se que foi Taxfin,
marido da mãe delas, Zulmira, e governador de Córdova, quem convenceu o Califa
a regressar a Coimbra para as resgatar.
Ontem à tarde, Fátima
ameaçou-o, enquanto brincavam no pátio da alcáçova. Ele jurou que os cristãos
iam matar os infiéis todos e ela cresceu para ele, enfurecida, berrando.
- Se não vos calais levais
um murro!
Ele desatou a correr fugindo
dela e repetindo bem alto o que dissera. Mas até ele, com oito anos, sabe que
Coimbra está em
perigo. Espanta-o que os infiéis não ataquem a cidade com
mais violência.
Se avançassem ganhavam, foi
o que ouviu dizer. Terá sido meu pai Egas Moniz, ou meu tio Hermígio quem assim
falou?
O Afonso Henriques e eu, bem
como os meus irmãos Afonso e Soeiro, fomos educados pelos dois, vivemos com eles
em Lamego, e foram eles que nos levaram para Coimbra. Se tivessem sabido
daquele cerco, não teriam certamente ido. Tratava-se apenas de uma visita
estival de cortesia à mãe do meu melhor amigo.
Ou melhor, à condessa Dona
Teresa.
Uma mãe tem de dar carinho,
estar lá, beijar os filhos. Caso contrário, não é uma mãe, é mãe só de nome.
Ora Dona Teresa nunca estava. Via o filho uma ou duas vezes por ano quando ia a
Lamego ou a Viseu, ou ele ia a Coimbra, mas limitava-se a olhar para ele e a
dizer:
- Está mais crescido. E era tudo. Nunca lhe
dava um beijo, embora exigisse que ele lhe beijasse a mão.
Não era grande coisa como
mãe. Nunca foi.
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