Portugal
(Domingos Amaral)
Episódio Nº 25
Mal souberam da retirada, os dois correram desesperados até à tenda de Ali Yusuf, onde o califa os esperava, caminhando de um lado para o outro, em cima dos tapetes da sua grandiosa instalação.
Ainda sozinho, subitamente
parou, e bateu com a alpercata no chão, espezinhando uma formiga. Aquela antiga
família, que todos julgavam soterrada nos confins da memória muçulmana, podia
renascer e ameaçar o seu herdado califado.
Tal como o pai, Ali Yusuf
não admitia disputas pelos seus estimados domínios, que se estendiam desde o
Sul dos desertos africanos até ao Al-Andaluz, mas teria de procurar uma
desculpa inteligente para pôr fim ao cerco de Coimbra.
Ao admirar as pérolas do
colar, decidiu justificar a partida com guerras maiores a travar contra Afonso
I de Aragão perto de Saragoça! Ou com febres... Ninguém sabia se era um pequeno
surto ou uma epidemia.
As tropas estavam nervosas,
mesmo quando os doentes não chegavam a trinta. Os berberes eram lutadores
ferozes, mas tremiam perante maleitas invisíveis, que não sabiam como combater.
Durante a noite, o califa
hesitara, já retirara no ano anterior, irritava-o não conqui star
o Oeste da peninsular. Al-Mansor chegara a Compostela, mas ele não passaria do
Mondego!
Pela segunda vez tinha de
abandonar Coimbra. Mesmo contrariado, voltara àquela cidade porque Taxfin
queria recuperar o que perdera um ano antes, a mulher e duas filhas.
Os cristãos não eram como os
árabes, não levavam as mulheres para as batalhas. Mas eles faziam-no e por
vezes perdiam-nas.
Quando, no ano anterior, o
primeiro cerco a Coimbra se levantou, naquela confusão que sempre se gera
aquando a partida de milhares de homens, algumas carroças tresmalharam-se e
caíram nas mãos dos cavaleiros de Dona Teresa de Portugal. Entre os
prisioneiros estavam a mulher de Taxfin, Zulmira, e as filhas desta, Fátima e
Zaida.
Louco de raiva, Taxfin qui sera recuperar a família, mas o califa proibira
nova investida. Em troca prometera voltar no ano seguinte e por isso aqui estava hoje.
Desta vez, as tropas
Andaluzes tinham vindo de Córdova e Sevilha por estrada, comandadas por Taxfin,
mas o califa viera de barco com os seus berberes. Entrara Mondego dentro,
desembarcara ali perto, em Montemor-o-Velho e depois instalara-se nesta tenda
vasta, onde agora estava arrependido da promessa que fizera há um ano.
Não iria derrotar os
cristãos, como fizera Yusuf, o anterior califa e seu pai, que enviara cinquenta
mil cabeças decapitadas às capitais muçulmanas de Andaluzia e mais cinquenta
mil para a Berbéria, como prova da sua vitória em Zalaca, onde derrotara Afonso
VI.
O califa encolheu os ombros,
ninguém ousaria criticá-lo por recuar! Só Taxfin se iria revoltar. O governador
de Córdova podia ter um harém como o de Ali Yusuf, e, no entanto, não dormia
com mulheres há um ano.
Era por essas e por outras
que Ali não gostava dele. Taxfin era um serraceno da Andaluzia e o califa
considerava-o corrompido pela poesia dos pederastas de Sevilha, pela música
mole e dolente da região.
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