Portugal
(Amaral Dias)
Episódio Nº 24
Coimbra, Julho de 1117
Muitos anos mais tarde, Abu
Zhakaria acabaria por nos revelar que foi por temor a duas meninas que Ali
Yusuf mandou levantar o segundo cerco a Coimbra.
Suspeitava das origens
nebulosas de Fátima e Zaida, e dos segredos inconfessados de sua mãe, Zulmira.
Antes de sair de Marraquexe o califa ouvira apenas rumores, mas na véspera
recebera certezas absolutas e, contaminado pela insegurança, imaginara um
futuro periclitante para si próprio.
- Ali Yusuf era um cobarde –
rematou Abu Zhakaria mas mandava em nós e, por isso Taxfin e eu abandonamos
Coimbra deixando Zulmira, Fátima e Zaida prisioneiras.
Explicou-nos que Taxfin
odiava aquele califa com aquela barba sempre com gotas de sopa, aquele cheiro
enervante a âmbar, aquela voz áspera, a mania de bater com as alpercatas no
chão para matar formigas, a predilecção feminina pelas pérolas, o turbantezinho
ridículo sempre a deslizar para a esquerda.
O governador de Córdova
achava-o um fraco, a quem nem o manto azul-escuro conferia dignidade.
Era a segunda vez que
cercava Coimbra e se acorbadava!
Taxfin esperara um ano por
este cerco, queria resgatar Zulmira, cuja ausência não suportava!
- Precisava daquela mão que
se fechava na sua todas as noites – disse-me Abu, sempre poético.
E precisava das raparigas.
Fátima fizera dez anos, era impertinente e rezingona, mas linda e adorável com
os seus cabelos negros e longos, e Zaida era tão doce, meiga serena que Taxfin
nunca sentia tanta paz como junto daquela pequena criatura de sete anos.
Os quatro costumavam cantar
canções de Córdova, velhas melodias da Serra Morena, onde elas tinham nascido,
músicas tão bonitas que conseguiam embalar a lua e as estrelas.
Estavam de certeza com os
corações repletos de esperança, agora que o sabiam ali.
Abu Zhakaria era o seu
melhor homem, o único que sabia a verdade sobre as crianças, e foi ele quem me
relatou este episódio décadas depois.
Naquela manhã em Coimbra,
tinha apenas dezoito anos, mas já combatia como um leão e pensava como uma
águia. Arguto, alertara Taxfin que Ali Yusuf já sabia quem eram as meninas.
- Cuidado “wali”, o califa
odeia homens como nós, de famílias andaluzes de Córdova, e só nos tolera
enquanto estiver a lutar longe de Marraquexe.
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