quarta-feira, agosto 26, 2015

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)


Episódio Nº 42


















A mulher vestida de negro estava longe do local onde normalmente vivia escondida, em Soure.

Daquela vez, descera até Santarém, pela estrada principal, e agora regressava por caminhos junto às margens do Nabão. Não tinha pressas, desejava apenas conhecer o território, um dia poderia ter de se esconder ali.

Há quatro anos que chegara a Coimbra, na peugada das tropas de Ali Yusuf cumprido o destino que impusera a si próprio.

Desde os tempos conturbados da serra Morena aprendera a viver na floresta alimentando-se de vegetais e frutos, ou de animais que caçava com armadilhas, e sempre pensara que ia terminar seus dias por lá.

Mas um dia. Taxfin governador de Córdova, e grande guerreiro, decidira participar com o califa numa expedição ao oeste, e levara a esposa, Zulmira, e as duas meninas, Fátima e Zaida.

Naturalmente, a mulher de negro, seguia-as. O primeiro cerco a Coimbra durara pouco, mas a desgraça acontecera aquando do seu levantamento.

As carroças onde viajavam as três mulheres foram apanhadas pelas tropas de Dona Teresa. A mulher de negro tentara avisá-las, desesperada, mas não conseguira.

As tropas de Ali Yusuf partiram e, durante um ano, ela permanecera nos arrabaldes da cidade cristã, sabendo que as mouras, embora prisioneiras se encontravam bem.

Durante esse inverno, descobrira a povoação de Soure, que fora arrasada. O castelo estava abandonado, a torre tombada e, como ninguém lá vivia, escolheu aquela povoação desalmada para se instalar, no que foi imitada pelas feras.

Ursos, lobos e cães bravios, todos lá iam farejar os despojos, e ela sentia-se bem no meio deles, e aprendeu a viver sem os temer ou provocar.

No verão seguinte, para resgatar sua família, Taxfin conseguira convencer o califa Ali Yusuf a voltar a Coimbra.

A mulher de negro mantivera-se atenta e, durante vinte dias, espiara os movimentos das tropas, para ver se elas libertavam as três mouras.

Porém, e inesperadamente, o califa mudou outra vez de ideias.

Havia doentes entre as tropas, e Ali Yusuf, não só levantou o cerco, como mandou matar os infectados, e a mulher de negro viu à distância um homem vestido de branco a degolar mais de trinta inocentes, à beira do Mondego.

Nessa tarde, depois de ajudar um rapazito, filho de um almocreve, cujo pai fora morto pelo carniceiro de branco, regressara a Soure espantada, sem compreender as razões por que Ali Yusuf voltara a retirar, um ano depois, sem sequer atacar Coimbra.

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