Não vim ocupar tua rede |
Tocaia Grande
(Jorge Amado)
Episódio Nº 320
Com a morte de Diva, a solidão retornara,
outra, diferente.
Agora não provinha da carência, do
desamparo do lugar: estava dentro do peito de Tição, não em derredor.
Não
qui sera entregar o menino à avó, às
tias, recusara a oferta de Zilda: tomo conta dele, crio junto com os meus. Mas
a presença do filho não diminuía a ausência de Diva, não consolava: ao
contrário, tornava a lembrança mais aguda.
Menino sem mãe, criado à toa. Por vezes
Tição sentia-se culpado por mantê-lo junto a si, mas, como separar-se dele? O grito
de Coroca, na noite da danação, ainda ressoava em seus ouvidos: tu se esquece,
desgraçado, que tem um filho!
Para cumprir a obrigação que Diva lhe
deixava de herança, o negro Castor Abduim não se matara. Na solidão, ao
abandono, três bichos na casa de pedra e cal: Tovo, Tição e Alma Penada.
Nas águas do rio, nos braços do pai, Tovo
aprendia a nadar; na oficina aprendia a andar, aos tropeços, embolado com o
cão.
Ganhara um guizo grande, dado por um
tropeiro, e o Turco Fadul trouxera-lhe de Ilhéus um pequeno cisne de celulóide
que Tovo mordia no despontar dos dentes.
Menino sem mãe. Tição parou à porta da
oficina ao escutar um riso de criança, logo renovado, vindo lá de dentro. Ficou
parado, atento ao riso de seu filho.
Tovo não sabe rir, censurara Diva, parece
um bicho-domato e ele, Tição, uma visagem. Era verdade. Acudia ao choro do menino
somente para dar-lhe de comer ou limpá-lo do coco.
Levava-o à mata de manhã, ao rio no fim da
tarde. Do mais, o cão se ocupava. Ele, Tição, virara um lobisomem.
Na esteira brincavam os três: Tovo, Alma
Penada e Epifânia.
Tição acocorou-se junto a eles. Epifânia
ouvira dizer que o ferrador de burros já não era o mesmo que ela conhecera,
desaprendera o riso, vivia por viver.
Quem inventara tal balela? Ali estava ele,
rindo, o Tição de sempre. Ninguém sabia rir com tanto gosto quanto ele.
- Ocê veio pra ficar? De verdade?
- Tu não escutou eu falar? Não vou embora
mesmo que tu mande.
Não disse com voz de desafio, disse para
que ele soubesse e concordasse. Levantou os olhos para Castor Abduim que um dia
fora seu xodó. Jurara a si mesma, soberba e insubmissa, jamais voltar a vê-lo. Mas
apenas soubera-o purgando pena, infeliz, um cão danado, e os pés já não lhe
obedeceram: ali estava.
Mas ainda conservava o brio antigo:
- Não vim ocupar tua rede, tu pode ter
tudo que é mulher, não me importa. Se eu tiver de dormir aqui por precisão do menino, durmo com ele na
esteira.
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