sexta-feira, agosto 28, 2015

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)




Episódio Nº 44

















Era natural, estava vestida de negro, se calhar o monge deduzira que ela era a Morte que o vinha buscar.

Tentou tranquilizá-lo:

 - Não sou a vossa morte.

O velho acalmou e ela decidiu entrar no eremitério. Explicou ao homem que não duraria mais do que umas horas, e que ela poderia enterrá-lo, para que o corpo não fosse comido pelos bichos.

O monge deve ter gostado de saber, pois fechou os olhos e fez um pequeno aceno de cabeça, agradecido. Então ela sentou-se no canto da esteira e convenceu-se que ele tinha decidido morrer, pois não o ouviu gemer durante algum tempo.

Para retirar as suas dúvidas passou a mão sobre o nariz dele, para sentir a respiração, o que o levou a abrir os olhos.

- Ainda estais cá – murmurou ela.

Habituara-se a queimar cadáveres, mas não gostava de os enterrar, nunca sabia se estavam mesmo mortos.

 - Como posso ter a certeza da vossa morte?

O monge não respondeu e então ela informou-o de que ia lá para fora abrir a cova, e perguntou-lhe se tinha alguns utensílios por perto, o que o levou a falar pela primeira vez, apontando para o canto da sala.

- Pedra...

A mulher de negro viu no chão uma laje rectangular e comprida, ligeiramente levantada, que cobria o túmulo.

- É ali que quereis ficar? – perguntou.

O eremita acenou com a cabeça e ela comentou:

- Melhor para mim, não tenho de cavar a sepultura.

O eremita ficou silencioso durante horas, enquanto ela se deitava a seu lado e dormitava. Já era de noite quando ele voltou a gemer.

Devia estar com muitas dores e o seu fim estava a chegar, mas de súbito tocou na mulher, que se sentou e aproximou o ouvido da boca dele, para o tentar compreender.

- Jerusalém... Uma relíquia... Três homens...

A mulher de negro conseguiu compor uma narrativa. Três homens tinham escondido ali perto uma relíquia, trazida por um deles de Jerusalém.

Este último morrera, envenenado por uma rainha numa terra distante.

- Pai de um novo rei – balbuciou o monge.

O moribundo acrescentou que o segundo homem seria morto por um filho, que cristãos de branco viriam procurar a relíquia e que o terceiro homem era o mais temível.

De súbito, cada vez mais frágil, disse um nome em latim e apontou para o forno, onde crepitavam ainda umas brasa.

- O fogo que queima os corpos...

A mulher de negro assustou-se. Lembrou-se do seu passado e temeu que aquele eremita fosse um vidente.

 - O novo rei, dizei-lhe a verdade.

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