(Domingos Amaral)
Episódio Nº 44
Era natural, estava vestida
de negro, se calhar o monge deduzira que ela era a Morte que o vinha buscar.
Tentou tranqui lizá-lo:
- Não sou a vossa morte.
O velho acalmou e ela
decidiu entrar no eremitério. Explicou ao homem que não duraria mais do que umas
horas, e que ela poderia enterrá-lo, para que o corpo não fosse comido pelos
bichos.
O monge deve ter gostado de
saber, pois fechou os olhos e fez um pequeno aceno de cabeça, agradecido. Então
ela sentou-se no canto da esteira e convenceu-se que ele tinha decidido morrer,
pois não o ouviu gemer durante algum tempo.
Para retirar as suas dúvidas
passou a mão sobre o nariz dele, para sentir a respiração, o que o levou a
abrir os olhos.
- Ainda estais cá – murmurou
ela.
Habituara-se a queimar
cadáveres, mas não gostava de os enterrar, nunca sabia se estavam mesmo mortos.
- Como posso ter a certeza da vossa morte?
O monge não respondeu e
então ela informou-o de que ia lá para fora abrir a cova, e perguntou-lhe se
tinha alguns utensílios por perto, o que o levou a falar pela primeira vez,
apontando para o canto da sala.
- Pedra...
A mulher de negro viu no
chão uma laje rectangular e comprida, ligeiramente levantada, que cobria o
túmulo.
- É ali que quereis ficar? –
perguntou.
O eremita acenou com a
cabeça e ela comentou:
- Melhor para mim, não tenho
de cavar a sepultura.
O eremita ficou silencioso
durante horas, enquanto ela se deitava a seu lado e dormitava. Já era de noite
quando ele voltou a gemer.
Devia estar com muitas dores
e o seu fim estava a chegar, mas de súbito tocou na mulher, que se sentou e
aproximou o ouvido da boca dele, para o tentar compreender.
- Jerusalém... Uma relíqui a... Três homens...
A mulher de negro conseguiu
compor uma narrativa. Três homens tinham escondido ali perto uma relíqui a, trazida por um deles de Jerusalém.
Este último morrera,
envenenado por uma rainha numa terra distante.
- Pai de um novo rei –
balbuciou o monge.
O moribundo acrescentou que
o segundo homem seria morto por um filho, que cristãos de branco viriam
procurar a relíqui a e que o terceiro
homem era o mais temível.
De súbito, cada vez mais
frágil, disse um nome em latim e apontou para o forno, onde crepitavam ainda
umas brasa.
- O fogo que queima os
corpos...
A mulher de negro
assustou-se. Lembrou-se do seu passado e temeu que aquele eremita fosse um
vidente.
- O novo rei, dizei-lhe a verdade.
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