(Domingos Amaral)
Episódio Nº 43
Mas, como as mouras não
haviam sido libertadas, permaneceu por lá.
Três anos haviam já passado
e nenhuma expedição muçulmana voltara a fustigar o Mondego. A mulher de negro
soubera, em Santarém, que Ali Yusuf, andara pelo Leste da Península,
acompanhado de Taxfin, e que depois regressara aos desertos africanos, para
combater as tribos berberes revoltadas.
Não havia qualquer notícia
de que estivesse a preparar uma invasão a Oeste e por isso sentia-se mais à
vontade para se afastar de Coimbra.
Porém, havia outros riscos
nestas viagens. O seu aspecto devia meter medo, já por diversas vezes lhe
haviam chamado bruxa e alguns lavradores haviam-na apedrejado.
Apesar dos seus
conhecimentos de magia e feitiçaria, ela não se considerava a si própria uma
bruxa, apenas uma louca. As verdadeiras bruxas não eram loucas, mas ela
limitava-se a ser uma doida com truques, que normalmente resultavam mal.
Fosse como fosse, os outros
temiam-na e foi por isso que inicialmente se afastou daquele eremitério.
Na margem do Nabão, perto de
umas ruínas de uma abandonada povoação romana, dera com aquela pequena construção
de granito, no meio da floresta.
Em vez de caminhar na sua
direcção, decidiu contorná-la à distância. Os eremitas cristãos que viviam
abaixo do Mondego eram corajosos, mas também demasiado religiosos para aceitar
uma bruxa vestida de negro.
Acusá-la-iam de blasfémias e
heresias e rezariam ao seu deus para que a levasse, por isso se afastou. De
repente, ouviu um gemido e estacou. Voltou a observar o cemitério e o som
repetiu-se. Alguém estava a morrer ali.
Olhando à volta para ver se
alguém aparecia aproximou-se.
À entrada do edifício sem
porta, espreitou lá para dentro. Limitava-se a uma sala fria e quase quadrada,
com uma mesa de pedra no centro, um altar do seu lado direito e, num dos
cantos, um pequeno forno onde se viam umas brasas de carvão.
Depois de habituar os olhos
à escuridão, a mulher de negro viu no chão uma esteira de vime, em cima da qual
se encontrava deitado um minúsculo e mirrado idoso, que morria devagarinho,
emitindo os inconstantes queixumes que ela escutara.
Decidiu esperar que ele
soçobrasse, pois não seria correcto deixá-lo apodrecer no eremitério. Podia perfeitamente
cavar uma pequena cova, enterrá-lo e só depois prosseguir o seu caminho.
Ainda à entrada, reparara
que o homem parara de gemer. Com os olhos, agora muito abertos, parecia
aterrado, não já com medo de morrer, mas com medo dela.
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