Foi ela que trouxe ocê. |
Tocaia Grande
(Jorge Amado)
Episódio Nº 321
Não vim na intenção de me amigar com tu e
ser madrasta dele, juro por Deus. Só quero que tu deixe eu brincar com ele, me
ocupar.
Tudo que é menino precisa de ter mãe e
tudo que é mulher precisa de um filho, inda que seja uma bruxa de pano ou um
homem feito.
Tu sabe que eu já tive um filho? Nunca
contei, pra quê? Tinha a idade dele, quando morreu. Também um dia eu qui s morrer, Tição.
- Ocê
fez bem de vim. Foi ela que trouxe ocê.
- Ela? Possa ser. Soube por Cosme, no
caminho. Eu tava indo pra Itabuna, segui avante. Não tinha andado nem meia
légua e dei de mim no rumo de Tocaia Grande.
O menino engatinhava buscando o regaço de
Epifânia.
- Tovo gosta de ocê. - O negro falou como
se estivesse dando as boas-vindas.
- É nome ou apelido?
- O nome é Cristóvão por causa de meu tio.
Tovo é apelido que ela botou.
O menino estendeu os braços para o pai.
Alma Penada cobriu o focinho com as patas. O negro Castor Abduim da Assunção acabara
de chegar em casa, de volta das profundas do inferno.
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Deus Todo-Poderoso, a Suma Sapiência,
apenas ele e mais ninguém poderia saber se o Reisado de Sia Leocádia viria a se
transformar com o tempo numa tradição de Tocaia Grande, repetindo o que
acontecera em Estância.
Seu Carlinhos Silva previu que o mesmo ali
sucederia: assertiva de simples mortal, não passava de duvidosa conjetura.
Nas ruas de Estância o reisado desfilara durante
mais de quarenta anos: a fabulosa figuração do Boi e do Caboclo, os cordões de pastoras,
o azul e o encarnado, a orquestra de sanfona e cavaqui nhos,
o bombo na marcação.
O bombo
arrastava a molecada, abria alas, levantava o povo.
O que viria a se passar com o Reisado de
Sia Leocádia em Tocaia Grande ,
após aquele ano de triunfo e glória, só Deus sabia, se é que sabia.
Certo e bonito é que houve baticum,
arrasta-pé, namoro, xodó, folia à solta enquanto duraram os ensaios, dos meados
de Dezembro até a antevéspera do Dia de Reis.
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