sábado, agosto 29, 2015

Em Estância cada pastora tinha um nome.
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)




Episódio Nº 324




















Qual o ofício de Jacinta Coroca, diga quem for capaz, pelo amor de Deus; parteira ou mulher-dama? Afamada em uma e outra ocupação, mãos de fada, xoxota de chupeta, ganhava o pão de cada dia na cama de campanha, jamais aceitara dinheiro em pagamento pelos partos.

Aparara todos os meninos ali nascidos, inclusive os de Hilda, Fausta e Zeferina, sendo que a filha desta última, desovada na noite da enchente, recebera o nome de Jacinta em honra da comadre, em prova de gratidão.

Quem tentasse vetar a presença das putas no pastoril de Tocaia Grande não botaria reisado na rua, para pagar o desaforo.

Pastoras mais lindas, ai! Mais bem trajadas, mais garridas e exultantes! Foi portanto necessário aumentar o número, pois em total, somando raparigas e donzelas, eram vinte e três as candidatas para compor os dois cordões, de oito pastoras cada um.

Sai Leocádia, magnânima, decidiu que existindo um único reisado em Tocaia Grande tais convenções tornavam-se abusivas: por que somente oito? Elevou para doze o contingente do cordão azul e o do encarnado, e para igualar os números, convidou a velha Vanjé e ela não se fez de rogada: pastora em sua idade, só mesmo ali, no cu-do-mundo!

Em Estância cada pastora tinha um nome, tradicional: mudava a pastora, o nome persistia: Borboleta, Andorinha, Papagaio, Belaninha, Marialva, Veludinho, Juriti e Açucena, as oito do cordão azul, e Magnólia, Cuiubinha, Pintassilgo, Gracinha, Ribeirinha, Pitanga, Cordeirinha e Bem-Te-Vi, as oito do cordão encarnado.

Acrescentaram-se em Tocaia Grande oito novas alcunhas, escolhidas pelas interessadas, de acordo com sai Leocádia. A velha Vanjé se intitulou de Sergipana, Ressu de Itabunensee Bernarda foi a Ciganinha, e assim por diante até se completar a lista.

Se alguém faz questão dos outros cinco nomes para que seja precisa nos detalhes a crónica da apresentação do Reisado de Sia Leocádía em Tocaia Grande, aí vão eles: Graciosa, Baianinha, Atrevida, Florzinha, Girassol.

Houve de um tudo durante os ensaios: riso e choro, namoro, discussão e briga. Por causa da doca Ricardina, a pastora Girassol, Dodô Peroba e o tropeiro Levindo se estranharam, trocaram xingos e desafios, mas não chegaram aos tapas: sia Leocádia exigia ordem e compostura nos ensaios.

Sia Leocádia gabava-se de que em Estância cada saída do reisado era marcada por um casamento. Se em Tocaia Grande aconteceu amigação em vez de casamento, deveu-se ao fato de não existir padre no lugar para celebrar o ato e abençoar os noivos.

Zinho, carpina trabalhando por conta própria, tão competente quanto mestre Lupiscínio - fizera a armação da Besta-Fera e a do Boi, melhores que as de Estância, ao ver de sia Leocádia: mais leves e mais seguras - ao término do reisado se juntou com Cleide, a fogosa e apressada pastora Ribeirinha, filha mais moça de Gabriel e de Sinhá, irmã do falecido Tancredo e de Neneca, outra apressada, que ficara em Sergipe, vivendo com Osíris, à custa de seu Américo: pai é para isso.

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