quarta-feira, agosto 12, 2015

Já rezara por catorze
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)


Episódio Nº 309




















Quando passaram em frente ao criatório de Altamirando, a neta quis saber:

- Não vai falar com sia Clara, vó?

- Primeiro nós vai falar com Vanjé, depois com os outros. Se ela quiser, o reisado vai ser de nós e dela.

3

Tempo de atropelo, ainda não decorrera ano e meio da chegada dos estancianos a Tocaia Grande, parecia um século.

Sai Leocádia resumia, coberta de razão: ali desfrutaram do melhor, padeceram do pior. Terra devoluta, virgem e fértil -  em Estância a terra, cansada, tinha dono, proteção de parente rico, ajuda de bons vizinhos, compatriotas de Sergipe, facilidades de toda espécie.

Mas enfrentaram também, em curto prazo, a desgraça e a morte.

A desgraça da enchente. Destruíra por completo o que haviam conquistado com esforço insano, no momento em que se preparavam para colher os frutos iniciais: ficaram ao desabrigo e as viçosas plantações se transformaram em lama.

Nem bem se recompunham e a febre, ou seja, a morte, acampara em Tocaia Grande.

Atacara de preferência os sergipanos. Os grapiúnas revelavam-se mais resistentes ao contágio e havia quem se gabasse de possuir corpo fechado; até podia ser verdade.

Dos dez enterrados pela febre, nove no cemitério de Tocaia Grande, um no de Taquaras, seis eram sergipanos e Clementina viera de pertinho, das Alagoas na outra margem do rio São Francisco.

Dois da família de Vanjé o marido Ambrósio e a filha Diva, amásia de Tição; dois do clã de sia Leocádia, o rapazola Tancredo e o molecote Manozinho; das quatro putas que bateram a bota, uma única, Dinair, nascera e se criara nas roças de cacau; Caetana procedia de Buquim, Glória Maria, de Itaporanga.

Sinha Leocádia estava habituada a conviver com a morte. Entre filhos e filhas, genros e noras, netos e bisnetos já rezara por quatorze: com os dois falecidos em Tocaia Grande perfaziam dezesseis.

Mortes penosas aquelas duas, pois o lugar era desvalido e de tal febre não se conhecia nem o nome, apenas se dizia que matava até macaco. O mocinho e o menino, ai, meu Deus, se acabando, botando a vida pela boca e pelas tripas, coisa medonha de se ver.

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