Já rezara por catorze |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 309
Quando passaram em frente ao criatório de
Altamirando, a neta qui s saber:
- Não vai falar com sia Clara, vó?
- Primeiro nós vai falar com Vanjé, depois
com os outros. Se ela qui ser, o
reisado vai ser de nós e dela.
3
Tempo de atropelo, ainda não decorrera ano
e meio da chegada dos estancianos a Tocaia Grande, parecia um século.
Sai Leocádia resumia, coberta de razão:
ali desfrutaram do melhor, padeceram do pior. Terra devoluta, virgem e fértil
- em Estância a terra, cansada, tinha
dono, proteção de parente rico, ajuda de bons vizinhos, compatriotas de
Sergipe, facilidades de toda espécie.
Mas enfrentaram também, em curto prazo, a
desgraça e a morte.
A desgraça da enchente. Destruíra por
completo o que haviam conqui stado
com esforço insano, no momento em que se preparavam para colher os frutos iniciais:
ficaram ao desabrigo e as viçosas plantações se transformaram em lama.
Nem bem se recompunham e a febre, ou seja,
a morte, acampara em
Tocaia Grande.
Atacara de preferência os sergipanos. Os
grapiúnas revelavam-se mais resistentes ao contágio e havia quem se gabasse de possuir
corpo fechado; até podia ser verdade.
Dos dez enterrados pela febre, nove no
cemitério de Tocaia Grande, um no de Taquaras, seis eram sergipanos e
Clementina viera de pertinho, das Alagoas na outra margem do rio São Francisco.
Dois da família de Vanjé o marido Ambrósio
e a filha Diva, amásia de Tição; dois do clã de sia Leocádia, o rapazola Tancredo
e o molecote Manozinho; das quatro putas que bateram a bota, uma única, Dinair,
nascera e se criara nas
roças de cacau; Caetana procedia de Buqui m,
Glória Maria, de Itaporanga.
Sinha Leocádia estava habituada a conviver
com a morte. Entre filhos e filhas, genros e noras, netos e bisnetos já rezara
por quatorze: com os dois falecidos em Tocaia Grande perfaziam dezesseis.
Mortes penosas aquelas duas, pois o lugar
era desvalido e de tal febre não se conhecia nem o nome, apenas se dizia que matava
até macaco. O mocinho e o menino, ai, meu Deus, se acabando, botando a vida
pela boca e pelas tripas, coisa medonha de se ver.
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