segunda-feira, agosto 31, 2015

Ouça, Natário, quero lhe pedir uma coisa.
Tocaia Grande
(Jorge Amado)

Episódio Nº 325





















Um batalhão de mulheres se encarregou dos trajes das pastoras. A costureira Natalina responsabilizou-se pela vestimenta do palhaço Mateus, pierrô de chita, ornado de pompons, a vistosa calça do Boi e o estandarte.

Para compor a figura do Caboclo Gostosinho obtiveram, de empréstimo no curral, jaleco e chapéu de couro. Não havendo fardas para os soldados, os soldados em Tocaia Grande transformaram-se em jagunços, armados até os dentes com clavinotes, garruchas e punhais.

Sai Leocádia tomou a si a confecção da indumentária -  metade azul e metade cor-de-rosa -  da Senhorita Dona Deusa, sua neta Aracati: a saia, o corpete, o manto e os adornos, muitos.

Não tinham podido festejar os quinze anos de Aracati devido à febre que assolara Tocaia Grande durante o inverno. Sia Leocádia tirava a forra no verão.

O verão transformara a lama em poeira e a luz do sol alimentara os cacauais dando vigor à floração e aos bilros nas roças de incomparável formosura.

O povo andava alegre, esquecido do ano maldito de enchente e peste: o que passou, passou.

11

Cavalgando ao lado do coronel Boaventura Andrade, Natário o achou muito acabado. Da noite para o dia a velhice se abatera sobre o fazendeiro, acentuando-lhe as rugas, aumentando as cãs e os silêncios.

Acompanhados por Espiridião e pelo tropeiro Joel, iam à estação de Taquaras esperar dona Ernestina que vinha passar as férias na fazenda com o marido.

O burro Himalaia, assim nomeado devido à corpulência, acompanhava a montaria do tropeiro, no dorso largo um selim fabricado sob medida para conter as banhas da santa esposa do Coronel.

Vendo-o durante dias seguidos na Atalaia, Natário não se dava conta de quanto o Coronel envelhecera. Mas naquela manhã, os dois animais no mesmo passo, emparelhados, o curiboca pôde comprovar a devastação da idade no rosto flácido do compadre e percebeu-lhe a respiração arfante: teve medo.

Fazendo um sinal a Natário para que o acompanhasse, o Coronel cutucou a égua com a espora e se adiantou. O cabra e o tropeiro guardaram distância conveniente.

- Diga a Leocádia que, com Ernestina na fazenda, não vou poder ir pro reisado. Tenho pena porque Sacramento havia de gostar. Disse a ela pra ir, ficava com a comadre Zilda. Sabe o que me respondeu? Imagine só: disse que não ia não, porque, se fosse, não tinha quem ajudasse Ernestina. É uma boa moça.

Guardou silêncio por um momento como se refletisse sobre
a recusa de Sacramento, depois baixou a voz:

- Ouça, Natário, quero lhe pedir uma coisa.

- Às ordens, Coronel.

- Tu nunca me faltou em vida. Quero que não me falte quando eu morrer.

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