(Domingos Amaral)
Episódio Nº 70
Livra, que morcego!
Encostado à grande pedra
estava um vulto, sentado no chão. Afonso Henriques deve-o ter reconhecido, pois
avançou sem receios e disse o nome dele.
Ramiro olhou-o com
estranheza, como se visse um fantasma. Na sua mão, estava o bonito punhal de
seu pai, Paio Soares, com uma pérola no topo do cabo.
Pressentindo a desorientação
que o consumia, o príncipe aconselhou-o:
- Não cismeis tanto...
O outro continuou a olhar
para o vazio. Afonso Henriques ajoelhou em frente dele e o seu tom de voz
tornou-se persuasivo:
- Seja o que for que vos aconteceu de
terrível, daqui a dez anos nem vos
ides lembrar.
Ramiro franziu a testa como
se tivesse tido uma revelação inesperada. Depois, concordou com um aceno de
cabeça e colocou a arma no cinto, enquanto Afonso Henriques perguntava:
- Sofreis por honra ou por mulher?
A tristeza do outro levou-o
a concluir que se tratava de mal de amor.
- Nenhuma dama, por mais bela que seja, é a
única no mundo – disse o príncipe
Ramiro baixou os olhos,
demasiado dorido para responder.
- Quereis vir connosco? – Vamos à estalagem –
informou Afonso Henriques.
O Braganção protestou, não
estava à vontade com Ramiro. Talvez por isso, este recusou e disse que iria
para casa. Afonso Henriques estendeu-lhe o braço, ajudando-o a levantar-se, e
acrescentou:
- Depois da Páscoa, podeis vir a Lamego, às canas.
Ramiro garantiu que o pai
não o deixaria e depois despediu-se e regressou ao castelo.
Os quatro amigos marcharam
então para a estalagem, um pequeno edifício a cerca de cem passos, com uma
estrebaria junto e onde um archote ardia sobre a porta.
Dois cavaleiros vilões
sentados numa das mesas, saudaram o príncipe, continuando à conversa com duas
soldadeiras, cujos decotes abertos mostravam os peitos redondos.
Pareciam gostosas, pelo
menos aos olhos do Braganção, que em voz alta as gabou. Depois de se sentarem,
o afoito Gonçalo fez um sinal a uma delas, ordenando-lhe que se aproximasse.
Morena e de cabelos longos,
mas de nariz pontiagudo e feio, avisou que os cavaleiros vilões tinham
precedência.
O Braganção ainda protestou,
mas Afonso Henriques aconselhou-o a ser paciente.
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