terça-feira, setembro 29, 2015

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)


Episódio Nº 70




















Livra, que morcego!

Encostado à grande pedra estava um vulto, sentado no chão. Afonso Henriques deve-o ter reconhecido, pois avançou sem receios e disse o nome dele.

Ramiro olhou-o com estranheza, como se visse um fantasma. Na sua mão, estava o bonito punhal de seu pai, Paio Soares, com uma pérola no topo do cabo.

Pressentindo a desorientação que o consumia, o príncipe aconselhou-o:

 - Não cismeis tanto...

O outro continuou a olhar para o vazio. Afonso Henriques ajoelhou em frente dele e o seu tom de voz tornou-se persuasivo:

 - Seja o que for que vos aconteceu de terrível, daqui a dez anos nem vos ides lembrar.

Ramiro franziu a testa como se tivesse tido uma revelação inesperada. Depois, concordou com um aceno de cabeça e colocou a arma no cinto, enquanto Afonso Henriques perguntava:

 - Sofreis por honra ou por mulher?

A tristeza do outro levou-o a concluir que se tratava de mal de amor.

 - Nenhuma dama, por mais bela que seja, é a única no mundo – disse o príncipe

Ramiro baixou os olhos, demasiado dorido para responder.

 - Quereis vir connosco? – Vamos à estalagem – informou Afonso Henriques.

O Braganção protestou, não estava à vontade com Ramiro. Talvez por isso, este recusou e disse que iria para casa. Afonso Henriques estendeu-lhe o braço, ajudando-o a levantar-se, e acrescentou:

 - Depois da Páscoa, podeis vir a Lamego, às canas.

Ramiro garantiu que o pai não o deixaria e depois despediu-se e regressou ao castelo.

Os quatro amigos marcharam então para a estalagem, um pequeno edifício a cerca de cem passos, com uma estrebaria junto e onde um archote ardia sobre a porta.

Dois cavaleiros vilões sentados numa das mesas, saudaram o príncipe, continuando à conversa com duas soldadeiras, cujos decotes abertos mostravam os peitos redondos.

Pareciam gostosas, pelo menos aos olhos do Braganção, que em voz alta as gabou. Depois de se sentarem, o afoito Gonçalo fez um sinal a uma delas, ordenando-lhe que se aproximasse.

Morena e de cabelos longos, mas de nariz pontiagudo e feio, avisou que os cavaleiros vilões tinham precedência.

O Braganção ainda protestou, mas Afonso Henriques aconselhou-o a ser paciente.                                                             

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