quarta-feira, setembro 02, 2015

Bendito louvado seja o Menino Deus nascido
Tocaia Grande
(Jorge Amado)

Episódio Nº 327



















Na sala de visitas não havia espaço suficiente para a movimentação do terno: as reinações do Boi, as evoluções da Senhorita Dona Deusa e do Caboclo Gostosinho, as cambalhotas do palhaço Mateus, o corre-corre da Besta-Fera, a entrada dos soldados: vale dizer jagunços.

Nem na casa do Capitão, menos ainda nas demais visitadas a seguir. Em todas elas o reisado apresentou uma única jornada, além da pedição da sala, os benditos cantados em honra do menino-Deus:

Bendito louvado seja
Bendito louvado seja
O menino-Deus nascido

Primeiro dançaram juntos os dois cordões, depois separados o encarnado e o azul, iniciando a competição do estandarte e a divisão da assistência em dois partidos.

Passaram então à exibição individual das pastoras, uma a uma no centro da sala e, sem querer desfazer de nenhuma delas, pois todas eram lindas e airosas, inclusive sia Vanjé, corta-jaca de primeira, a verdade manda dizer que Bernarda sobressaiu entre as demais.

Após arrancar aplausos rodopiando, no repinique da orquestra, segurando a haste de bambu com a lanterna de papel de seda transparente, a formosa pastora Ciganinha com a outra mão trouxe para a roda uma criança de seus dois anos de idade, se tivesse mais, pouco seria: filho de criação de Zilda, nascido do ventre de Bernarda.

Dançaram, mãe e filho, inovações do reisado em terras de
Tocaia Grande.

A harmónica e os cavaquinhos puxavam a melodia pobre; o bombo, novo em folha, fazia a marcação. Vestidos de chitão florado e colorido, com rendas, laços e babados, os chapéus de palha ornamentados com folhas e flores de pano, enfeitados com fitas azuis e cor-de-rosa - o azul da Virgem Imaculada, o encarnado da Paixão de Cristo, -  as pastoras de Tocaia Grande dançaram e cantaram para o menino-Deus nascido no presépio de Belém e, sabe-se lá por que, achado em Roma:

O menino-Deus nascido
Foi achado lá em Roma
Foi achado lá em Roma
Vestidinho num altar


Terminados os benditos, houve uma pausa na função para o
beberete, comezaina farta e gostosa. As garrafas de cachaça passando de mão em mão, bebiam pelo gargalo: os copos e cálices reservados para o licor de jenipapo servido às pastoras.

Limpando a boca com as costas da mão, os figurantes do reisado iniciaram o Canto de Despedida, iam folgar em outra casa:

Oi boa tarde
Senhoras, Senhoritas
A minha ida
Vai fazer vocês chorar

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