sexta-feira, setembro 04, 2015

Chegou as moreninhas, oi que dança almofadinha
Tocaia Grande
(Jorge Amado)




Episódio Nº 329




















Os habitantes do lugar que não participavam do reisado nem por isso mostravam-se menos orgulhosos. Misturados à malta de forasteiros, arrotavam importância e gabolice no louvor do Reisado de Sia Leocádia, ostentação de Tocaia Grande.

Em Taquaras um bumba-meu-boi saía à rua nas festas dos Reis Magos. Desanimado e pobre, meia dúzia de pastoras esfarrapadas, figuração de merda: sacos velhos de aniagem fazendo as vezes do couro do Boi, o Vaqueiro esmolambento, a Caapora vestida de folhagem trazida do mato e se acabou.

Comparado com o reisado de Tocaia Grande, uma lástima.

Ao desembocar no descampado, os figurantes do pastoril haviam atingido o auge da animação no calor da dança já dançada e dos tragos já emborcados: o suor escorrendo pelos rostos, os pés descalços, negros de poeira, o bodum solto no ar, inebriante.

Montada em seus sapatos comprados na loja de seu Américo, em Estância, a alta travessa no cocuruto da cabeça -  coroa inconteste de rainha! - sia Leocádia equilibrou-se em cima de um caixão de querosene, vazio, trazido do armazém do turco.

Com suas ossudas mãos de octogenária bateu palmas e pediu silêncio: o reisado ia iniciar suas jornadas.

Balbúrdia, barafunda, gritaria, gargalhadas, dichotes, palavrões, diabruras dos moleques com toda a corda, tremenda barulheira: o rogo de sia Leocádia, velhinha frágil e miúda, mais do que um absurdo, era perda de tempo, tolice sem tamanho.

Pois bem: mal ela bateu palmas e anunciou o começo da função, cessou todo e qualquer bulício, o silêncio foi total, absoluto.

Nem o mais leve rumor, apenas as respirações ansiosas, o palpitar dos corações.

A apresentação se iniciou com o Canto da Pedição e os benditos, as danças dos cordões e as das pastoras, jornadas já vistas e ouvidas nas casas particulares, nem por isso menos aplaudidas:

Chegou as moreninhas
Oi que dança almofadinha.


Daí em diante tudo foi novidade, encanto e fantasia. Do centro das alas destacou-se o Boi para fazer a sua entrada. Começou por botar a molecada para correr, ameaçando chifrar os mais ousados, enquanto o figura cantava o Canto da Entrada do Boi:

Quem tiver seu boi
Que prenda no curral
Que eu não tenho roça
Pra boi soná


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