Largo do Seminário em Santarém |
Hoje é Domingo
(Na minha cidade de
Santarém em 20/9/15)
- Hoje,
Marta, a título excepcional, levo “O Público” porque encheu a primeira página
com esta fotografia da mais recente descoberta de um nosso antepassado,
encontrado na África do Sul, e a quem puseram o nome de Homo Naledi, talvez o
membro mais primitivo da nossa espécie.
- Não
acredito nessas coisas... que nós descendemos dos macacos... como? se eles
estão aí por todo o lado, e também dos dinossauros.
A Marta é
empregada da papelaria que foi trespassada pela anterior proprietária, a Tita,
que é separada do marido e deixou o negócio para acompanhar o filho num novo
projecto de investimento.
A vida da
minha rua é um pouco a extensão da minha casa. Todos os dias compro o jornal e
converso com a Marta, diariamente vou à mercearia e faço conversação com a
Maria do Carmo que saiu de Angola, fugida, quando era pequenina e os angolanos
andavam aos tiros uns com os outros.
A Liliana
espera-me no Café para a inevitável torradinha em pão caseiro, confeccionado em
forno de lenha, e a moça da padaria, a Joana, no outro lado da rua, ferrenha do
Benfica, que tem um namorado que é ferrenho do Sporting, espera-me com um
sorriso de orelha a orelha quando o seu Clube ganha e é o motivo óbvio da
conversa.
O meu
dia-a-dia não é o mesmo quando não me encontro com estas pessoas que, á força
da convivência diária, começam a fazer parte do nosso pequeno mundo.
- Mas, oh
Marta, hoje em dia já toda a gente acredita nos dinossauros, apareceram os ossos
e, quanto aos macacos, basta ver as parecenças que temos com eles.
- Não
acredito, se descendêssemos dos macacos eles teriam desaparecido para ficarmos
no lugar deles. Eu descendo do meu avô e ele qualquer dia irá morrer para eu
ficar no seu lugar e, quanto aos dinossauros, é tudo um grande negócio para
fazer dinheiro à custa das crianças que gostam muito dos bonecos.
- Então a Marta é Criacionista?
- Não sei
o que é isso mas dos macacos não descendemos...
Abro aqui um parênteses para formular aquela pergunta feita por um viajante do espaço que, chegado à Terra, para aquilatar do nível da nossa civilização quis saber: - "Eles já descobriram a evolução?"
Saio da papelaria a pensar na Marta que ainda é jovem e tem as ideias, provavelmente, iguais às da sua bisavó ou trisavó.
Saio da papelaria a pensar na Marta que ainda é jovem e tem as ideias, provavelmente, iguais às da sua bisavó ou trisavó.
- O que se passou com a instrução neste país?
- Não
serão as ideias da Marta da responsabilidade dos Ministérios da Educação e dos
currículos ensinados nas escolas que só tarde, muito tarde e a más horas, lhes
falam de Charles Darwin?... Se é que falam!
- O que
lhes disseram sobre a dinâmica do processo da vida desde que ela terá começado a
cerca de 2,5 mil milhões de anos?
- Um dia, alguém, teria chegado a este planeta
vazio, tocou-lhe com uma varinha mágica e fez... plim!
E aí o temos, tal como a Marta o conhece,
cheio de bichos e homens que não se conseguem entender uns com os outros.
No outro
dia, ouvi um jovem cientista dizer, com uma certa solenidade, que tudo se resume
a três momentos verdadeiramente importantes:
- Aquele
em que apareceu a vida, ou melhor, aquele em que uma célula aprendeu a fazer cópias de si própria, o outro em que surgiu a molécula da fotossíntese que
deu lugar ao oxigénio e, mais tarde, à consequente explosão da vida e,
finalmente, o momento da outra mutação no nosso código genético, aquela que nos
permitiu pensar de forma inteligente, ou seja, com capacidade para resolver os
nossos problemas.
Três
momentos que constituem três marcos de uma outra infinidade de marcos que, por
erros de cópia nas nossas células, as mutações, foram dando lugar a este longo
caminhar de 2,5 mil milhões de anos e que a Marta, que tem idade para ser minha
neta, desconhece porque não lhe ensinaram.
Era muito
mais fácil aprender na catequese que ao 7º dia, o Senhor, cansado de fazer o mundo, resolveu
descansar para nós podermos ter o sábado, rigorosamente o dia em que não se
devia e podia fazer fosse o que fosse... finalmente, o merecido descanso...
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