sábado, setembro 19, 2015

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)

Episódio Nº 63




















Era sabido que o conde Henrique, depois de ter sido expulso de Toledo pelo Imperador Afonso VI, se comportara de forma errática.

Exasperado com as decisões do monarca, mudara várias vezes de campo, primeiro alinhando com Afonso I de Aragão, e depois com Urraca de Leão e Castela.

- Lembro-me da sua desilusão, da sua amargura contra...

Paio Soares suspendeu a frase, pois não desejava reabrir velhas feridas. O pai de Afonso Henriques não se zangara apenas com o Imperador, que entretanto morrera, mas também com as filhas dele, uma delas a sua esposa, que agora estava ali e que tinha acabado de o convidar para mordomo-mor.

Dona Teresa, evitando também reavivar memórias polémicas, lamentou-se:

 - O meu marido perdeu-se, a sua cabeça já não estava capaz!

Caiu um curto silêncio entre o grupo, como se ninguém quisesse insistir naquela conversação.

Contudo, uns instantes depois, Gondomar voltou a falar:

 - Um cavaleiro francês entregou ao conde Henrique algo muito valioso, que ele deveria ter deixado em Cluny, no regresso da Terra Santa. Porém o conde veio directo para Portugal e depois morreu.

Fingindo-se intrigado, Paio Soares perguntou:

 - De que se tratava?

- Uma relíquia descoberta no Templo de Salomão – afirmou Gondomar – Tentaremos procurá-la em Soure.

Fernão Peres concordou e Dona Teresa sorriu, aliviada, colocando um fim ao colóquio.

O casal régio afastou-se a caminho da porta da igreja. Porém, Paio Soares permaneceu junto ao velho de manto branco.

Tentando não lhe revelar a sua aflição, perguntou-lhe:

 - Como sabeis que essa relíquia se encontra em Soure?

Levando a mão esquerda à longa barba, Gondomar esclareceu-o:

 - Há vários anos, desde que o nosso mestre Hugo de Payns regressou a França, que a procuramos.

Já sabemos que não está em Astorga, nem em Guimarães, nem em Sintra e sabemos que, quando passou pela última em Coimbra, o conde Henrique e mais dois homens se ausentaram durante uns dias. Foram a Soure...

Desta vez, o velho cavaleiro fixou os olhos do outro e perguntou:

 - Não sabeis quais eram os dois homens que o acompanhavam?

Paio Soares voltou a abanar a cabeça. Desconfiado, Gondomar manteve o seu olhar no dele e depois murmurou:

- Sendo vós o alferes-mor do conde, é estranho. Mas, como haveis dito, já foi há muito tempo. Embora eu, que sou mais velho do que vós, me lembre bem do que fiz há catorze anos.


Depois de proferir esta enigmática frase, o velho de manto branco caminhou para a porta da igreja de Viseu.                                                                                                            

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