(Domingos Amaral)
Episódio Nº 63
Era sabido que o conde Henrique, depois de ter sido expulso de Toledo pelo Imperador Afonso VI, se comportara de forma errática.
Exasperado com as decisões
do monarca, mudara várias vezes de campo, primeiro alinhando com Afonso I de
Aragão, e depois com Urraca de Leão e Castela.
- Lembro-me da sua
desilusão, da sua amargura contra...
Paio Soares suspendeu a
frase, pois não desejava reabrir velhas feridas. O pai de Afonso Henriques não
se zangara apenas com o Imperador, que entretanto morrera, mas também com as
filhas dele, uma delas a sua esposa, que agora estava ali e que tinha acabado
de o convidar para mordomo-mor.
Dona Teresa, evitando também
reavivar memórias polémicas, lamentou-se:
- O meu marido perdeu-se, a sua cabeça já não
estava capaz!
Caiu um curto silêncio entre
o grupo, como se ninguém qui sesse
insistir naquela conversação.
Contudo, uns instantes
depois, Gondomar voltou a falar:
- Um cavaleiro francês entregou ao conde
Henrique algo muito valioso, que ele deveria ter deixado em Cluny, no regresso
da Terra Santa. Porém o conde veio directo para Portugal e depois morreu.
Fingindo-se intrigado, Paio
Soares perguntou:
- De que se tratava?
- Uma relíqui a descoberta no Templo de Salomão – afirmou
Gondomar – Tentaremos procurá-la em Soure.
Fernão Peres concordou e
Dona Teresa sorriu, aliviada, colocando um fim ao colóqui o.
O casal régio afastou-se a
caminho da porta da igreja. Porém, Paio Soares permaneceu junto ao velho de
manto branco.
Tentando não lhe revelar a
sua aflição, perguntou-lhe:
- Como sabeis que essa relíqui a se encontra em Soure?
Levando a mão esquerda à
longa barba, Gondomar esclareceu-o:
- Há vários anos, desde que o nosso mestre
Hugo de Payns regressou a França, que a procuramos.
Já sabemos que não está em
Astorga, nem em Guimarães, nem em Sintra e sabemos que, quando passou pela
última em Coimbra, o conde Henrique e mais dois homens se ausentaram durante
uns dias. Foram a Soure...
Desta vez, o velho cavaleiro
fixou os olhos do outro e perguntou:
- Não sabeis quais eram os dois homens que o
acompanhavam?
Paio Soares voltou a abanar
a cabeça. Desconfiado, Gondomar manteve o seu olhar no dele e depois murmurou:
- Sendo vós o alferes-mor do
conde, é estranho. Mas, como haveis dito, já foi há muito tempo. Embora eu, que
sou mais velho do que vós, me lembre bem do que fiz há catorze anos.
Depois de proferir esta
enigmática frase, o velho de manto branco caminhou para a porta da igreja de
Viseu.
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