quarta-feira, outubro 07, 2015

A russa estava adorando aquela viagem
Tocaia Grande
(Jorge Amado)

Episódio Nº 356


















Naquela ocasião, ia para sete anos, quando renegara de Tocaia Grande, Venturinha, doutor recente, desde então chegado a gringas e a artistas, andava metido com uma argentina, se lembrava?

Venturinha se lembrou, prazenteiro. Adela La Portena, um mulherão, cantava tangos, boa de cama. Junto, porém, de Ludmila Gregorióvna Cytkynbaum não passava de uma catraia, um rebotalho!


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Os passos guardados por Benaia Cova Rasa, enquanto Venturinha conversava na varanda, Ludmila e Piotr desceram do outeiro para percorrer Tocaia Grande.

A russa estava adorando aquela viagem a cavalo através das fazendas e dos povoados.

Na Fazenda Carrapicho, primeira parada da comitiva, o coronel Demóstenes Berbert recebera Venturinha e sua amante em grande estilo.

Sendo solteiro, três guapas mocetonas cuidavam da casa-grande e dos caprichos do ricalhaço, quarentão sacudido, com avô francês na mistura do sangue brasileiro.

Falando francês com fluência e correção - aprendera com o avô - apresentara as três graças a Ludmila: a cunhã, a minhota e a malê, suas três Marias, a índia, a branca e a negra.

 Escolhidas a dedo pelo coronel Demostinho, fino conhecedor, de requintado gosto.

Na selva do cacau, o proprietário da Fazenda Carrapicho era uma avis rara: na casa-grande tinha estante de livros, adega de vinhos e, além do gramofone, um piano que ele próprio dedilhava para regalo das três mucamas acocoradas em derredor.

Fuad Karan, hóspede frequente, referia-se ao harém do coronel Demostinho, e Álvaro Faria, sequestrado dos bares do porto, permaneceu uma semana na fazenda abatendo garrafas de vinho e de conhaque, portugueses e franceses.

Na opinião do letrado ilheense, o coronel Berbert era o único ser de fato civilizado no universo grapiúna.

Na mesa do café matinal - haviam partido de Itabuna na fímbria da manhã com a intenção de chegar à Atalaia ao pôr do sol - o Coronel serviu os manjares da região: os cuscuzes, os mingaus, o requeijão, a coalhada, a banana frita, a fruta-pão, o inhame, o aipim, batatas-doces e o espesso chocolate.

Ludmila apreciava a boa mesa, de tudo comia um pouco e a tudo elogiava com a voz escura, pejada de mistério.

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