(Domingos Amaral)
Episódio Nº 75
O meu único temor – disse
Abu Zhakaria – é deixar-vos sozinho.
Despreocupado, Taxfin
virou-se para as duas criadas idosas e sorriu.
- Elas tomam conta de mim,
descansai. Morreremos os três juntos se nos vierem aqui
atacar.
Nasceu um brilho alarmado
nos olhos de ambas as mouras que só ele viu, e como de costume elas nada
disseram.
Além disso - afirmou Taxfin
– o governador aqui não me teme. Não
me queria era em Córdova, a fazer-lhe sombra!
Mesmo assim preferia a vossa
companhia – murmurou Abu Zhakaria.
Ambos sabiam que era
impossível e Taxfin, decidiu mudar de assunto, falar em algo bonito, simples e
profundo.
- Ainda vos lembrais da cara
da Fátima? – perguntou.
O outro pestanejou,
atrapalhado e Taxfin sorriu: um homem capaz de furar com o alfange os inimigos
e ficava aflito quando falava numa rapariga que, da última vez que vira tinha
nove anos!
- Sim – confessou Abu
Zhakaria, envergonhado. – Todos os dias.
Revelando o seu desgaste,
Taxfin suspirou.
Às vezes, tento recordar-me
do sorriso de Zulmira, do seu rosto bonito do calor do seu corpo, mas nem
sempre o consigo.
Caiu o silêncio no quarto,
enquanto as duas criadas se retiravam levando o tabuleiro.
- A mais velha é do tempo da família antiga
que aqui viveu, a outra chegou com
Zulmira – comentou Taxfin.
As duas envelhecidas mouras
ainda haviam visto aquele pequeno castelo repleto de poetas, que declamavam
versos de Ibn al –Barr, do rei Al – Mutamid ou de Ibn Sallan; escutadas as
dissertações de filósofos e juristas célebres; assistido aos deputados jogos de
xadrez, ouvida a festiva música que ali se tocava.
Eram do tempo em que a marca
média da Hispânia estava acima de Toledo; do tempo em que Afonso VI perdia batalhas
contra o pai de Ali Yusuf, em Zalaca; do tempo em que as primeiras taifas
nutriam ainda uma poderosa esperança na ressurreição do califado de Córdova.
- Alguns walis de Sevilha, de Múrcia e de Badajoz
ainda cá vieram desafiar o primeiro marido de Zulmira – contou Taxfin.
Abu Zakaria conhecia a lenda
fantástica daquele castelo, daquela ancestral e famosa família que se havia
cruzado com Zulmira; conhecia a glória histórica dos antepassados de Fátima e
Zaida.
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