(Jorge Amado)
Episódio Nº
353
16
Os carpinas, Lupiscínio, Guido e Zinho, ergueram no centro do descampado à meia distância entre o rio e o barracão, em frente ao local da feira, um cruzeiro de pau-brasil, monumental, de grande altura, obra de dar na vista, só comparável ao pontilhão.
Quem despontasse, vindo das cabeceiras do
rio das Cobras ou da estação de Taquaras, de longe nos caminhos avistava o
Santo Lenho assinalando a passagem por Tocaia Grande da primeira Santa Missão a
estender até aquele fim de mundo a pregação da virtude e a condenação do
pecado.
Uma larga plataforma de tábuas corridas
foi armada diante do cruzeiro e nela os frades colocaram os materiais e os
apetrechos para a missa, a bênção e os sacramentos de batismo e matrimónio.
Os frades revestiram-se com os hábitos
talares para os ofícios divinos e os sermões.
Frei Theun pregou pela manhã, na eucaristia,
Frei Zygmunt pregou à tarde, na hora da bendição. Os habitantes foram unânimes em
considerar o sermão de frei Zygmunt por todos os aspectos superior ao do frade
holandês. Não havia comparação.
Frei Theun, gordote e atarracado, falando
português quase sem acento, demorou-se na bondade e na misericórdia de Deus,
descreveu o Paraíso, falou de suas
belezas e benesses.
Magro e alto, cara cavada, mãos ossudas,
misturando ao português termos alemães e expressões latinas, numa pronúncia de cão
de caça, o alemão empolgou os ouvintes, pequena multidão ainda maior do que a
reunida pelo Reisado de Sia Leocádia, no verão.
Seu tema foi o inferno. Belzebu, o anjo
decaído, o pecado eo fogo a consumir os pecadores. Martelo de Deus, como o nome
indicava, frei Zygmunt Gotteshammer obteve sucesso quase igual ao de seu Carlinhos
Silva com os truques de prestidigitação. Um porreta, frei Zygmunt!
17
Deu-se a coincidência - de coincidências
estão cheios os romances, ainda mais a vida - que, no segundo e último dia da
Santa Missão, chegou a Tocaia Grande,
procedente de Itabuna, em trânsito para a Fazenda da Atalaia, o doutor
Boaventura Andrade Júnior, cada vez menos tratado pelo diminutivo familiar de
Venturinha.
Vinha acompanhado por Ludmila Gregorióvna,
sua amante - amante era o termo que o bacharel usava pois indicava fêmea nobre
e cara, de alto coturno, dispendiosa, situada em alturas não atingidas por
raparigas, mancebas, amásias, comborças, putada reles.
Ouriçada cabeleira cor de fogo, perfume forte
de almíscar, nos trinques do traje inglês de montaria, calça-culote, égua das
estrebarias do Czar da Rússia ou das cavalariças do Rei Salomão, como melhor
disse o Turco Fadul, leitor da Bíblia.
Nos tempos dos barulhos, quando os
encontros de grupos de jagunços eram acontecimentos corriqueiros e cada
goiabeira escondia uma tocaia, os coronéis viajavam acobertados por grupos de
cabras, havia sempre a possibilidade de um ataque.
Com o fim das lutas, a guarda se reduzira
a um homem de confiança, rápido no gatilho. O coronel Boaventura Andrade, cuja
vida estivera tantas vezes ameaçada, nos últimos anos fazia-se acompanhar
apenas pelo negro Espiridião.
Por vezes Natário ia com eles: para
conversar com o Coronel, acertar que fazeres, não na qualidade de capanga, como
dantes.
Venturinha, porém, não dispensava em suas
travessias entre
Itabuna e a Fazenda da Atalaia, ou para
onde quer que viajasse, um séqui to
digno de um Basílio de Oliveira, de um Sinhô Badaró, de um Henrique Alves nos
áureos tempos.
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home