(Domingos Amaral)
Episódio Nº 78
Gostava da disponibilidade
permanente da minha prima, mas confessou-me que gostava de Chamoa.
A bela galega era feminina e
irresistível, embora ele pressentisse nela uma inqui etude
perigosa, causada pelas lisonjas masculinas.
Chamoa adorava ser
cortejada, isso via-se a léguas, e o meu amigo, tal como minha esposa Maria,
temia o ligeiro descontrolo das suas tentações.
Gulosos machos, como Paio
Soares ou o primo Mem Tougues, de bom grado lhe ferrariam o dente.
Julgo que foi em Viseu que o
meu melhor amigo descobriu o que era ter ciúmes. Sentia-se encantado, mas também
sujeito à rivalidade, à disputa.
Não desejava ser dominado,
ficar à mercê dela, e rastejar a seus pés seria uma fraqueza imperdoável para
um príncipe.
Talvez por isso, naquela
manhã o meu melhor amigo, estava sempre a dar uma espécie de estremeções
espartanos. Ele dizia que era para espevitar...
Ao ver o príncipe sacudir-se
mais uma vez, Gonçalo cuspiu para o chão. Continuava enjoado, ainda lhe corria
o vinho nas veias e as tripas tinham-se revoltado, expulsando o toucinho que
comera na véspera na estalagem.
Porcaria que nos serviram –
resmungou.
O príncipe perorou:
- Não culpeis o vinho, bebestes de mais.
Gonçalo, irritado,
protestou:
- Que sabeis vós, haveis estado lá?
Afonso Henriques sorriu. Era
sempre assim, o filho do Sousão.
Afogava-se no vinho, como o
Braganção, que nunca mais chegava.
- Nem sabem o que perderam... – murmurou Gonçalo.
Depois de filhar a sua
soldadeira, já o Braganção partira, Gonçalo contou que encontrara Elvira, muito
melosa também a querer folgar.
- Fomos para o celeiro e estava enamorada de
mim!
Afonso Henriques, que o
conhecia bem, desmontou a gabarolice.
Sois um reles mentiroso, ela
não é dessas!
Entretanto, uma mulher saíra
das cozinhas, com um tabuleiro carregado de pão, e ofereceu-nos de comer,
interrompendo aquela celeuma toda.
Estávamos já a abocanhar os
pães quando ouvimos uma voz cavada e funda nas nossas costas:
- Padeira: não ofereceis pão a quem veio da
Terra Santa?
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