(Domingos do Amaral)
Episódio Nº 74
A viagem de regresso foi um
tormento. Primeiro, os desertos africanos, depois o mar Mediterrâneo, por fim
as estradas hispânicas desde a costa até Córdova.
Taxfin sofreu dores
inimagináveis, mas cerrou os dentes e aguentou calado. Regressava à sua terra,
era tudo o que queria e mais valia isso do que estar algemado ao califa por uma
ordem que, nove anos antes, parecia vitalícia.
Chegados a Córdova,
rapidamente, ele e Zhakaria perceberam que a cidade lhes era hostil.
Taxfin fora destituído há
nove anos, e o actual governador, que já era o terceiro wali depois dele, não gostou de saber que um antecessor regressara.
Embora Taxfin já não tivesse
direito a habitar no Azzahrat, amealhara riquezas suficientes para viver com
esplendor, ou para instigar revoltas locais.
O incumbente do palácio,
temeroso, mandou os seus guardas vigiarem-no, e por isso, duas semanas depois,
um dorido Taxfin decidiu rumar à serra Morena, para se instalar no belo castelo
de Hisn Abi Cherif, cuja linda cor, o arenito vermelho, o distinguia num
verdejante vale, e que pertencia à séculos à primeira família de Zulmira.
Com ele levou apenas Abu
Zhakaria, que aos vinte e sete anos era um portento de agilidade, força e
sabedoria, um dos melhores guerreiros que Taxfin alguma vez vira, e que o
seguia com uma dedicação inultrapassável.
Meteram-se a caminho numa
carroça e chegaram a Hisn Abi Cherif dois dias depois, sendo recebidos por duas
velhas criadas de Zulmira, cuja lealdade à família se mantinha intacta.
Apesar da idade avançada, as
serviçais haviam assegurado o asseio do castelo, cuidando com ternura do antigo
jardim, onde nasciam o alecrim e a alfazema, no meio das margaridas e das
rosas, bem como das hortas e pomares, onde pontificavam as tangerinas e as
laranjas, as alfaces e as cenouras, que um adoentado almocreve trocava por
outros alimentos quando por ali passava.
Contentes por reverem
Taxfin, que recordavam com carinho, compuseram-lhe uma cama confortável, no
velho quarto do casal, davam-lhe dois banhos diários e alimentavam-no com
cozinhados suculentos, obrigando-o a beber elixires misteriosos, cujos
ingredientes nunca revelavam.
Nas semanas que se seguiram,
Taxfin deliciou-se com as al-zaitunas e
com aruzz delas, doce devido ao
al-sukkar que lhe juntavam; comia com gosto a sopa de isfinah e trincava com
apetite o jaballi, cuja carne elas
compravam ao almocreve.
Em pouco tempo ganhou forças
e ânimo, e começou a planear o resgate da sua família.
Porém, até para as velhas
mouras do castelo era evidente que uma longa viagem a Coimbra seria fatal para
Taxfin, e foi tomada a decisão de ser Abu Zhakaria a chefiar a expedição a
Oeste, pois só ele, com a sua energia, a sua inteligência e a sua fidelidade,
poderia ter êxito naquela aventura perigosa.
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