Diga ao coronel que faça dele um homem. |
Tocaia Grande
(Jorge Amado)
Episódio Nº 374
Natário não deu tempo a Espiridião para
refletir:
- Se aparecer algum cabra rondando por lá,
primeiro meta bala, depois mande Peba vim me avisar.
Com a mão sempre pousada no ombro do
negro, confiou-lhe sua provação:
- Bem que eu queria que Edu fosse junto,
mas ele nem qui s ouvir falar. Nunca
lhe desobedeci, meu pai, vai ser pela primeira vez, foi o que disse. - Repetia
com preocupação e com soberba, contente com a rebeldia do rapaz.
- Tinha de ser, sendo seu filho.
Natário retirou a mão do ombro de
Espiridião e, abandonando mais uma vez a reserva costumeira, o prendeu nos
braços.
Desde a morte de Bernarda, o Capitão
parecia outro.
- Diga a Zilda que se guente por lá, não
saia da roça por nada deste mundo, faça tento nos meninos e me aguarde.
16
Mais difícil ainda foi convencer a negra
Epifânia a partir para a Fazenda Santa Mariana, nas cabeceiras do rio das
Cobras, levando Tovo, afilhado de dona Isabel e do coronel Robustiano de Araújo.
Filho de Xangô, o deus da guerra, Tição
Abduim tinha um lado de Oxóssi, o caçador, e outro de Oxalá, o pai maior.
Epifania era de Oxum, dona do rio e da
faceirice; sendo rainha não aceitava ordens de mortal, qualquer que fosse. Na
madrugada, antes do sol raiar sobre os habitantes e os jagunços, o ferrador de
burros convocou Ressu para ajudá-los a apresentar o ebó de sangue; sacrificaram
quatro galos e destinaram um deles a Iemanjá, dona da cabeça da finada Diva.
Primeiro Iansan montou em seu cavalo,
Ressu dançou dança de guerra, partiu para o combate, voltou à frente dos mortos
e abriu caminho para o egum no axexé.
O negro estremeceu, cobriu os olhos com as
mãos; perseguido, correu de um lado para outro, a boca vermelha de sangue do galo
oferecido a Iemanjá.
O vento soprou inesperado, a nuvem desceu
dos céus e se transformou numa entidade: não era o bom Deus dos maronitas, era
a rainha das águas, a senhora do oceano, dona Janaína.
Sendo de Oxalá pelo lado direito, o filho
de Xangô e de Oxóssi, recebeu Iemanjá, sua mulher. Ela tomou nos braços o
menino e o levantou nas mãos.
Mostrou-o a todos e, antes de entregá-lo a
Oxum, cantou a alegria e a vida. Ordens do egum, Epifânia outro jeito não teve
senão obedecer.
Mulher de briga e de convicção, dura na
queda, em seus olhos jamais se vira o traço de uma lágrima, nem elevar-se de
seus lábios o planger de uma queixa. Somente nas horas de xodó e de folia,
gemia e suspirava: gemidos de júbilo, suspiros de deleite.
Epifânia tentou resistir, não pôde, o egum
apontava o caminho da vida com o dedo descarnado. Como já o fizera antes,
entregou-lhe o menino, impôs a decisão.
A negra Epifânia partiu chorando, quem a
visse não acreditaria.
Alma Penada a acompanhou por um bom pedaço
de caminho.
Depois voltou para junto do amigo que
empunhava as armas.
Tição, na despedida, apertara o filho
contra o peito:
- Diga ao Coronel que faça dele um homem.
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