quarta-feira, outubro 28, 2015

Diga ao coronel que faça dele um homem.
Tocaia Grande
(Jorge Amado)

Episódio Nº 374






















Natário não deu tempo a Espiridião para refletir:

- Se aparecer algum cabra rondando por lá, primeiro meta bala, depois mande Peba vim me avisar.

Com a mão sempre pousada no ombro do negro, confiou-lhe sua provação:

- Bem que eu queria que Edu fosse junto, mas ele nem quis ouvir falar. Nunca lhe desobedeci, meu pai, vai ser pela primeira vez, foi o que disse. - Repetia com preocupação e com soberba, contente com a rebeldia do rapaz.

- Tinha de ser, sendo seu filho.

Natário retirou a mão do ombro de Espiridião e, abandonando mais uma vez a reserva costumeira, o prendeu nos braços.

Desde a morte de Bernarda, o Capitão parecia outro.

- Diga a Zilda que se guente por lá, não saia da roça por nada deste mundo, faça tento nos meninos e me aguarde.


16


Mais difícil ainda foi convencer a negra Epifânia a partir para a Fazenda Santa Mariana, nas cabeceiras do rio das Cobras, levando Tovo, afilhado de dona Isabel e do coronel Robustiano de Araújo.

Filho de Xangô, o deus da guerra, Tição Abduim tinha um lado de Oxóssi, o caçador, e outro de Oxalá, o pai maior.

Epifania era de Oxum, dona do rio e da faceirice; sendo rainha não aceitava ordens de mortal, qualquer que fosse. Na madrugada, antes do sol raiar sobre os habitantes e os jagunços, o ferrador de burros convocou Ressu para ajudá-los a apresentar o ebó de sangue; sacrificaram quatro galos e destinaram um deles a Iemanjá, dona da cabeça da finada Diva.

Primeiro Iansan montou em seu cavalo, Ressu dançou dança de guerra, partiu para o combate, voltou à frente dos mortos e abriu caminho para o egum no axexé.

O negro estremeceu, cobriu os olhos com as mãos; perseguido, correu de um lado para outro, a boca vermelha de sangue do galo oferecido a Iemanjá.

O vento soprou inesperado, a nuvem desceu dos céus e se transformou numa entidade: não era o bom Deus dos maronitas, era a rainha das águas, a senhora do oceano, dona Janaína.

Sendo de Oxalá pelo lado direito, o filho de Xangô e de Oxóssi, recebeu Iemanjá, sua mulher. Ela tomou nos braços o menino e o levantou nas mãos.

Mostrou-o a todos e, antes de entregá-lo a Oxum, cantou a alegria e a vida. Ordens do egum, Epifânia outro jeito não teve senão obedecer.

Mulher de briga e de convicção, dura na queda, em seus olhos jamais se vira o traço de uma lágrima, nem elevar-se de seus lábios o planger de uma queixa. Somente nas horas de xodó e de folia, gemia e suspirava: gemidos de júbilo, suspiros de deleite.

 Epifânia tentou resistir, não pôde, o egum apontava o caminho da vida com o dedo descarnado. Como já o fizera antes, entregou-lhe o menino, impôs a decisão.

A negra Epifânia partiu chorando, quem a visse não acreditaria.

Alma Penada a acompanhou por um bom pedaço de caminho.

Depois voltou para junto do amigo que empunhava as armas.
Tição, na despedida, apertara o filho contra o peito:

- Diga ao Coronel que faça dele um homem.

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