Ele contou pra gente e nem acredito que possa ser verdade |
Tocaia Grande
(Jorge Amado)
Episódio Nº 369
Mas as comadres e os compadres, fraterno compadrio nascido da diária convivência de homens livres, conheciam-lhe o discurso, o manifesto e o silêncio.
Acontecesse o que acontecesse, honraria a palavra empenhada, tácita e subentendida, cumpriria o compromisso assumido na trajectória das conjunturas e das ocorrências, as grandes e as pequenas, as bem-aventuradas e as malditas, a aliança celebrada pela vida.
10
Espirídião ouvira aqui e ali, nos bancos de cavaco ocioso da estação, nas ruidosas bodegas de cachaça, nas alegres pensões de raparigas, rumores, boatos, diz-que-diz-que sobre o intempestivo e intenso movimento na Intendência, nos cartórios, no quartel da Briosa, na cadeia, nas ruas de Itabuna.
As tramas, a acreditar no vozerio, eram várias e diversas.
Referências muitas, porém vagas, não bastavam para que se chegasse a conclusões precisas. O Capitão pensou em se tocar para Itabuna a fim de saber, detalhe por detalhe, o que estava sucedendo, pondo tudo em pratos limpos.
Mas os outros três, e logo depois também Coroca, pessoa de bom aviso, desaconselharam tal jornada por imprudente e perigosa: era o mesmo que se meter na toca do inimigo, a ele se entregar de mãos e pés atados.
Na opinião segura e equi librada de Espiridião, se tinham enviado um jagunço a Tocaia Grande para matar Natário, haveria em cada esqui na de Itabuna um bandido a esperá-lo, na tocaia.
Fadul Abdala e Castor Abduim concordavam em género, número e caso.
Espiridião encarregara a filha - a professora Antônia dava-se com todo mundo, merecia confiança e era res peitada devido ao saber e aos óculos que o atestavam - de obter o máximo de informações e mandar um próprio levá-las em mão, num recado escrito.
Para escrever bem explicado, com letras bonitas, não havia duas, a professora Antônia estava sozinha.
Nem assim, contudo, o Capitão desistiria, não fosse a chegada a Tocaia Grande de seu Carlinhos Silva.
Estivera em Ilhéus para o relatório mensal, trazia notícias concretas e ordem expressa, ditada por Kurt Koifman em pessoa, de esvaziar e fechar o depósito de cacau e mandar-se de volta para a matriz da firma.
Estivera em Ilhéus para o relatório mensal, trazia notícias concretas e ordem expressa, ditada por Kurt Koifman em pessoa, de esvaziar e fechar o depósito de cacau e mandar-se de volta para a matriz da firma.
Passado o tempo quente que se anunciava, decidiriam sobre a localização do depósito: na dependência dos conformes
poderiam até mantê-lo em
Tocaia Grande.
11
Acompanhada pelos três filhos, Jãozé,
Agnaldo e Aurélio, a velha Vanjé parou diante da entrada da varanda, em casa do
capitão Natário da Fonseca:
- Licença, Capitão. Queria dar uma palavra
a vosmicê.
Sentado num dos bancos de madeira,
limpando o parabelo, o Capitão conversava com Fadul e Tição. Armas amontoadas
na sala de visita, aos pés do gramofone, chamaram a atenção da sergipana.
- Tome assento, tia Vanjé. - Natário
apontou os bancos vazios:
- Ocês também. Tem lugar pra todos.
Jãozé voltara de Taquaras de olhos
arregalados, as orelhas prenhas com o que vira e ouvira. Fora à feira, em
companhia do mano Aurélio, levando, nas cangalhas do burro, um jacá de galinhas
e dois caçuás repletos de produtos do roçado: abóboras, chuchus, maxixes, qui abos, jilós, batatas-doces; regressara confuso e alarmado,
em marcha batida.
Assistira ao insólito tráfego de jagunços,
a feira em rebuliço, escutara zunzunzuns de arrepiar.
- Seu Capitão, vosmicê sabe o que Jãozé
ouviu dizer na feira de Taquaras? Ele contou pra gente e nem acredito que possa
ser verdade.
O Capitão se levantara em busca de
canecos, servia cachaça aos recém-chegados.
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