segunda-feira, outubro 26, 2015

Não vai sobrar nenhum, vosmicê vai ver.
Tocaia Grande
(Jorge Amado)

Episódio Nº 372



















13


Na última noite de expectativa, o bom Deus dos maronitas apareceu em sonho a seu filho Fadul Abdala, como já sucedera em diversas ocasiões anteriores.

Viviam em assíduo contacto, trocavam impressões sobre os acontecimentos, o árabe agradecia ou reclamava, conforme fosse, louvando as providências tomadas pelo Senhor ou acusando-o de desatento e leviano.

Com sua majestosa aparição - nuvem imensa que, para conversar com Fadul, adquiria forma humana, ancião gigantesco, barbudo e metenudo - o bom Deus interrompeu dissoluta noite de bacanal durante a qual o turco começou passando nos peitos a viúva Jussara Ramos Rabat, aliás mulher casada pois revertera a tal condição já fazia tempo, ao tomar marido: um patrício ainda jovem, recém-chegado à região, que assumira com garbo a Loja Oriental e os chifres do saudoso Kalil.

Em seguida, o potente Abdala faturou na mesma madorna duas irmãs, ambas casadas e sapecas, com as quais estivera envolvido outrora quando o Diabo andava a tentá-lo com moças núbeis e herdeiras para o afastar de Tocaia Grande.

Eram irmãs de Ádma, feia como a necessidade, ruim como o Cão, com quem estivera a pique de casar-se.

História dos princípios do arraial, menosprezada na crónica de Tocaia Grande pois os seus lances decorreram em Itabuna; teria sido narrativa curiosa e picaresca com personagens conhecidos tal como Fuad Karan, e com novos figurantes: Adib Barud, o surpreendente garçom do bar, por exemplo - mas é tarde demais para contá-la.

Para completar a esbórnia daquela noite solitária, até a donzela Aruza, sumida do largo leito de colchão de capim e de percevejos, desde que um bacharel a levara ao altar fodida e prenha, apareceu para lhe outorgar o cabaço ainda intacto, e o cabaço de Aruza era o xibiu de Zezinha do Butiá, aquele infinito abismo.

Nas últimas noites, quando a espera foi longa e lenta, Zezinha lhe fizera constante companhia.

O bom Deus dos maronitas tocava-lhe no ombro, puxava-o pelo braço, retirando-o dos seios e das pregas das mulheres para alertá-lo acerca do perigo a aproximar-se de Tocaia Grande.

Abriu os olhos, o Senhor se transformara no varapau Durvalino, seu caixeiro, que lhe informou, exaltadíssimo:

- Seu Fadu! Os cabras tão chegando, seu Fadu!

Uma excitação incomum o dominava: indivíduo cuja característica principal era a contínua agitação, imagine-se seu estado.

Fadul pôs-se de pé:

- Como tu sabe?

- Foi seu Pedro Cigano que me disse. Ele tá na venda querendo falar com vosmicê e com o Capitão. Só que o Capitão não tá em casa.

Enquanto lavava a cara na bacia de flandre, o turco pediu detalhes, Durvalino contou o pouco que sabia:

- Seu Pedro deu com eles vindo pra cá. Se escondeu e seguiu eles até pertinho daqui.

Leva-e-Traz esfregava as mãos, coçava os ovos, não conseguia esconder o nervosismo. Fadul acabava de enxugar o rosto:

- Hoje mesmo tu vai embora.

- Eu? Ir pra onde? Vosmicê tá me despedindo? O que foi que eu fiz?

- Não é bem isso. Tu não fez nada. Eu é que não lhe quero aqui. Não quero que amanhã sua tia me culpe se lhe acontecer alguma coisa.

Durvalino riu nas fuças do patrão:

- Tia Zezinha, quando mandou eu vim pra cá, me disse:

Lininho, é assim que ela me chama, tu vai ficar com seu Fadu, vai tomar conta dele, tu não arreda pé de junto dele que meu turco é um menino grande, vive se metendo em enrascadas.

Enrascada pior do que essa d’agora não pode haver. Como é que vosmicê quer que eu vá embora? O que minha tia houvera de dizer?

Olhou sério para o patrão e arriscou o palpite, adiantou sua opinião sobre todo aquele embeleco em que estavam envolvidos:

- Vosmicê vai ver, seu Fadu, que nós todos vai morrer nas mãos desses jagunços. Não vai sobrar nenhum, vosmicê vai ver!


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