Não vai sobrar nenhum, vosmicê vai ver. |
Tocaia
Grande
(Jorge Amado)
Episódio Nº
372
13
Na última noite de expectativa, o bom Deus
dos maronitas apareceu em sonho a seu filho Fadul Abdala, como já sucedera em
diversas ocasiões anteriores.
Viviam em assíduo contacto, trocavam impressões
sobre os acontecimentos, o árabe agradecia ou reclamava, conforme fosse, louvando
as providências tomadas pelo Senhor ou acusando-o de desatento e leviano.
Com sua majestosa aparição - nuvem imensa
que, para conversar com Fadul, adqui ria
forma humana, ancião gigantesco, barbudo e metenudo - o bom Deus interrompeu
dissoluta noite de bacanal durante a qual o turco começou passando nos peitos a
viúva Jussara Ramos Rabat, aliás mulher casada pois revertera a tal condição já
fazia tempo, ao tomar marido: um patrício ainda jovem, recém-chegado à região,
que assumira com garbo a Loja Oriental e os chifres do saudoso Kalil.
Em seguida, o potente Abdala faturou na mesma
madorna duas irmãs, ambas casadas e sapecas, com as quais estivera envolvido
outrora quando o Diabo andava a tentá-lo com moças núbeis e herdeiras para o
afastar de Tocaia Grande.
Eram irmãs de Ádma, feia como a
necessidade, ruim como o Cão, com quem estivera a pique de casar-se.
História dos princípios do arraial,
menosprezada na crónica de Tocaia Grande pois os seus lances decorreram em
Itabuna; teria sido narrativa curiosa e picaresca com personagens conhecidos
tal como Fuad Karan, e com novos figurantes: Adib Barud, o surpreendente garçom
do bar, por exemplo - mas é tarde demais para contá-la.
Para completar a esbórnia daquela noite
solitária, até a donzela Aruza, sumida do largo leito de colchão de capim e de
percevejos, desde que um bacharel a levara ao altar fodida e prenha, apareceu
para lhe outorgar o cabaço ainda intacto, e o cabaço de Aruza era o xibiu de
Zezinha do Butiá, aquele infinito abismo.
Nas últimas noites, quando a espera foi
longa e lenta, Zezinha lhe fizera constante companhia.
O bom Deus dos maronitas tocava-lhe no
ombro, puxava-o pelo braço, retirando-o dos seios e das pregas das mulheres
para alertá-lo acerca do perigo a aproximar-se de Tocaia Grande.
Abriu os olhos, o Senhor se transformara
no varapau Durvalino, seu caixeiro, que lhe informou, exaltadíssimo:
- Seu Fadu! Os cabras tão chegando, seu
Fadu!
Uma excitação incomum o dominava:
indivíduo cuja característica principal era a contínua agitação, imagine-se seu
estado.
Fadul pôs-se de pé:
- Como tu sabe?
- Foi seu Pedro Cigano que me disse. Ele tá
na venda querendo falar com vosmicê e com o Capitão. Só que o Capitão não tá em
casa.
Enquanto lavava a cara na bacia de flandre,
o turco pediu detalhes, Durvalino contou o pouco que sabia:
- Seu Pedro deu com eles vindo pra cá. Se
escondeu e seguiu eles até pertinho daqui .
Leva-e-Traz esfregava as mãos, coçava os
ovos, não conseguia esconder o nervosismo. Fadul acabava de enxugar o rosto:
- Hoje mesmo tu vai embora.
- Eu? Ir pra onde? Vosmicê tá me
despedindo? O que foi que eu fiz?
- Não é bem isso. Tu não fez nada. Eu é
que não lhe quero aqui . Não quero
que amanhã sua tia me culpe se lhe acontecer alguma coisa.
Durvalino riu nas fuças do patrão:
- Tia Zezinha, quando mandou eu vim pra
cá, me disse:
Lininho, é assim que ela me chama, tu vai
ficar com seu Fadu, vai tomar conta dele, tu não arreda pé de junto dele que
meu turco é um menino grande, vive se metendo em enrascadas.
Enrascada pior do que essa d’agora não
pode haver. Como é que vosmicê quer que eu vá embora? O que minha tia houvera
de dizer?
Olhou sério para o patrão e arriscou o
palpite, adiantou sua opinião sobre todo aquele embeleco em que estavam
envolvidos:
- Vosmicê vai ver, seu Fadu, que nós todos
vai morrer nas mãos desses jagunços. Não vai sobrar nenhum, vosmicê vai ver!
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