segunda-feira, novembro 23, 2015

Dona Carmosina, pessoa importante da vila do Agreste.
Tieta do Agreste
(Jorge Amado)

EPISÓDIO Nº 12












ONDE DONA CARMOSINA LÊ UM ARTIGO, RESOLVE PROBLEMA DE PALVRAS CRUZADAS E PROBLEMAS REFERENTES À SITUAÇÃO DE TIETA, DIGNOS DOS MAIS FAMOSOS DETECTIVES DOS ROMANCES POLICIAIS E ONDE SE TRAVA CONHECIMENTO COM O COMANDANTE DÁRIO DE QUELUZ, SURGINDO AO FINAL DO CAPÍTULO O VATE BARBOSINHA (GREGÓRIO EUSTÁQUIO DE MATOS BARBOSA) DE CORAÇÃO PARTIDO.




- Muito bem feito! Cadeia com eles! – exclama em voz alta dona Carmosina, no auge do entusiasmo. Finalmente erguera-se um juiz independente e digno, capaz de ditar uma sentença justa, mandando os canalhas para o xadrez:


- Cambada de assassinos!

Entusiasmo e indignação sem espectadores, sozinha na repartição no começo da tarde. Mas o comandante Dário, ao saber, vai nadar em alegria, ele, tão apaixonado quando se discute poluição. Esses tipos deviam estar todos tranca-fiados na cadeia, minha boa Carmosina, são assassinos da humanidade. O Comandante é um tanto quanto retórico, ama frases de efeito. Barroco na qualificação poética de Barbosinha.

Retira a página, vai guardá-la para o Comandante – não importa venha o jornal endereçado a Artur de Figueiredo – o velho coronel Artur de Tapitanga, assinante de O Estado de São Paulo, desde de priscas eras; dona Carmosina tirara a limpo: desde 1924. Durante decénios o Estado manteve o fazendeiro a par das novidades do mundo. 

Actualmente, só de mês em mês o destinatário manda buscar o monte de jornais a entulhar a sala. Já não os lê – quem lê com gosto e proveito é dona Carmosina – mas renova a assinatura no prazo exacto, a condição de assinante do diário paulista é atributo da sua linhagem e dona Carmosina, a maior interessada, recorda-lhe a obrigação a tempo, com elogios à gazeta e às cabras do Coronel.

Página a mais página a menos, caderno a mais caderno a menos, para o octogenário – oitenta e seis anos comemorados a 18 de Janeiro, como pode informar dona Carmosina – já não faz diferença. 

Pouco se lhe dá o que vai por esse mundo louco, de guerras e convulsões, de violência e de ódio, de mentiras sensacionalistas: essa história do homem ir à lua montado num foguete é história de carochinha para engambelar os trouxas.

Está no jornal, na primeira página do Estado? Nem assim acredito, Carmosina, estou velho mas não estou broco. Apesar da cancela da Fazenda Tapitanga, não distar nem um quilómetro do começo da rua, raramente o Coronel comparece a uma sessão da Câmara Municipal de Sant’Ana do Agreste, à qual preside, conselheiro municipal, edil, vereador eleito e reeleito um sem número de vezes, ex-intendente e ex-perfeito. Quando vem não falta à visita da agente dos Correios:

- Carmosina me conte o que você leu no meu jornal. Mas não me venha com mentiras…- ameaça-a com a bengala, ainda sabe rir.

Manda o capanga por os jornais na carroça, utiliza-os em serventias diversas: para fazer embrulhos, acender o fogo, limpar-se na latrina. As cabras andaram comendo edições inteiras e, se não engordaram, mal não lhes fizeram.

Cuidadosamente, dona Carmosina dobra a folha de forma a ficar o artigo à vista, matéria importante no alto da página, o título em tipos fortes: A Itália condena à prisão os que poluem o mar. O Comandante vai se regalar. 


Também Barbosinha se interessa pelo problema lamentando os inevitáveis malefícios inerentes ao progresso, enquanto o Comandante Dário é radical no julgamento e condenação dessa loucura rotulada de progresso envenenando a humanidade inteira, ameaçando a continuação da vida sobre a terra, minha boa Carmosina! Dramático, os braços abertos:

- Se não se puser um paradeiro nisso, em breve as crianças já nascerão com câncer! Veja o Japão…

Para fugir de causas e efeitos, para gozar dos verdadeiros prazeres da existência enquanto ainda há tempo e lugar, abandonara promissora carreira na Marinha de Guerra, pendurando a farda no armário do bangalô, reduzindo os trajes a shortes e camisetas de marujo, ao luxo vespertino do pijama quando na praia, e à calça e camisa esporte na cidade. 

Isso, sim, era viver. No clima bendito do Agreste, na beleza sem par de Mangue Seco. No paraíso.

- Boa lição! – repete ainda dona Carmosina antes de se entregar às palavras cruzadas e aos lologrifos.

Grande a sede de saber de dona Carmosina, múltiplos e ecléticos os temas a interessá-la, da política à ciência dos problemas mais graves do nosso tempo ao disse-que-disse em torno da vida sexual dos ídolos das multidões da ONU à OEA, da CIA ao KGB, da NASA aos OVNI, da MPB ao FEBAPÁ, ai o que ela sabe de siglas!


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