quarta-feira, novembro 11, 2015

Linda, na sua nudez de mulher
Tieta do Agreste
(Jorge Amado)

Episódio Nº3




















Quanto aos grandes patrões, esses não se mostram em bares, não brindam com jornalistas de cavação e preferem as formosas nuinhas de todo, no conforto e no recato, longe de qualquer exibição pública.

Ai, quem me dera a honra, a glória suprema de que pelo menos um deles venha a aparecer nas mal alinhadas páginas deste relato; seria o máximo para o modesto escriba contar com uma tamanha personagem.


Realista, os pés na terra, não espero que aconteça esse milagre; onde forças capazes de arrastar um lorde estrangeiro àquele cu-do-mundo, através de lama e poeira?

Caso tudo dê certo, aprovado o projecto, instalado o complexo industrial, quando o progresso chegar com asfalto sólido, estradas de mão única, motéis, piscinas, moças de túnicas transparentes, polícia de segurança, aí sim, talvez tenhamos o privilégio de enxergar, com nossos olhos que a terra há-de comer, um desses grandes do mundo envolto em ouro.

De qualquer maneira, vou em frente, mesmo sabendo que alguns detalhes dificilmente merecerão crédito de parte de pessoas sensatas, pespegá-los exige martelo russo e prego caibral, para usar expressão da velha Milú repetida cada vez que o bardo Barbosinha termina de narrar sobre o além e o passado ou, indómito, penetra futuro adentro, a voz eloquente e empastada- empastada por uma embolia que o acometera anos atrás e por pouco o desencarnava.

Não deu para tanto, suficiente porém para aposentá-lo do quadro de funcionários da Prefeitura da Capital, onde exerceu, com relativa capacidade e certo desleixo, funções de escriturário, e trazê-lo de volta às ruas poucas e pacatas de Sant’Ana do Agreste, cujos limites culturais, com tal retorno, logo de muito se ampliaram pois Barbosinha - Gregório Eustáquio de Matos Barbosa - é autor de três livros, publicados na Baía, dois de poesia e um de máximas filosóficas.

De tudo isso se dará notícia no decorrer da acção. 

Aqui venho apenas livrar a cara, declinar de qualquer responsabilidade. Relato os factos conforme me foram narrados, por uns e por outros. 

Se de quando em quando meto a minha colher e situo opiniões e dúvidas, é que também não sou de ferro nem me pretendo indiferente às “agitações sociais, vendavais do século a convulsionar o mundo” (De Matos Barbosa, in Máximas e Mínimas da Filosofia – Dmeval Chaves Editor – Baía, 1950). 

Sou apenas prudente, o que nos tempos de agora não é virtude nem mérito e sim necessidade vital.

De uma coisa desejaria realmente ter a certeza no momento em que colocar o ponto final nas páginas deste folhetim, e para isso conto com a ajuda dos senhores, lanço-lhes um desafio: respondam-me quais os heróis da história, quem lutou pelo bem da terra e do povo. Em nome da terra e do povo todos falam, cada qual mais ardente e gratuito defensor.

A gente vai ver se descobre dinheiro pelo meio, no bolso dos sabidos, povo e terra que se danem.

Nesta embrulhada, cujos nós começo a desatar, quem merece nome em placa de rua, avenida ou praça, artigos laudatórios, homenagens, comendas, cidadania, ser proclamado herói? – digam-me os senhores. Aqueles que pugnam pelo progresso a todo custo – pague-se o preço sem reclamar, seja qual for – a exemplo de Ascânio Trindade?

Se pagasse com a vida, teria pago menos caro. Se não forem eles que outros? Não há-de ser a Barbosinha ou a dona Carmosina, a Dário, comandante sem tropas a comandar, que se confira tais honrarias, muito menos a Tieta, melhor dito, à madame. As palavras também valem dinheiro, herói é vocábulo nobre, de muita consideração.

Agradecerei a quem me elucidar quando juntos chegarmos ao fim, à moral da história. Se moral houver, do que duvido. 

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