Linda, na sua nudez de mulher |
Tieta do Agreste
(Jorge Amado)
Episódio Nº3
Quanto aos grandes
patrões, esses não se mostram em bares, não brindam com jornalistas de cavação
e preferem as formosas nuinhas de todo, no conforto e no recato, longe de
qualquer exibição pública.
Ai, quem me dera a honra, a glória suprema de que
pelo menos um deles venha a aparecer nas mal alinhadas páginas deste relato;
seria o máximo para o modesto escriba contar com uma tamanha personagem.
Realista, os pés na terra, não espero
que aconteça esse milagre; onde forças capazes de arrastar um lorde estrangeiro
àquele cu-do-mundo, através de lama e poeira?
Caso tudo dê certo, aprovado o
projecto, instalado o complexo industrial, quando o progresso chegar com
asfalto sólido, estradas de mão única, motéis, piscinas, moças de túnicas
transparentes, polícia de segurança, aí sim, talvez tenhamos o privilégio de
enxergar, com nossos olhos que a terra há-de comer, um desses grandes do mundo
envolto em ouro.
De qualquer maneira, vou em frente,
mesmo sabendo que alguns detalhes dificilmente merecerão crédito de parte de
pessoas sensatas, pespegá-los exige martelo russo e prego caibral, para usar
expressão da velha Milú repetida cada vez que o bardo Barbosinha termina de
narrar sobre o além e o passado ou, indómito, penetra futuro adentro, a voz
eloquente e empastada- empastada por uma embolia que o acometera anos atrás e
por pouco o desencarnava.
Não deu para tanto, suficiente porém
para aposentá-lo do quadro de funcionários da Prefeitura da Capital, onde
exerceu, com relativa capacidade e certo desleixo, funções de escriturário, e
trazê-lo de volta às ruas poucas e pacatas de Sant’Ana do Agreste, cujos
limites culturais, com tal retorno, logo de muito se ampliaram pois Barbosinha - Gregório Eustáqui o de Matos
Barbosa - é autor de três livros, publicados na Baía, dois de poesia e um de
máximas filosóficas.
De tudo isso se dará notícia no
decorrer da acção.
Aqui venho apenas
livrar a cara, declinar de qualquer responsabilidade. Relato os factos conforme
me foram narrados, por uns e por outros.
Se de quando em quando meto a minha
colher e situo opiniões e dúvidas, é que também não sou de ferro nem me
pretendo indiferente às “agitações sociais, vendavais do século a convulsionar
o mundo” (De Matos Barbosa, in Máximas e Mínimas da Filosofia – Dmeval Chaves
Editor – Baía, 1950).
Sou apenas prudente, o que nos tempos de agora não é
virtude nem mérito e sim necessidade vital.
De uma coisa desejaria realmente ter
a certeza no momento em que colocar o ponto final nas páginas deste folhetim, e
para isso conto com a ajuda dos senhores, lanço-lhes um desafio: respondam-me
quais os heróis da história, quem lutou pelo bem da terra e do povo. Em nome da
terra e do povo todos falam, cada qual mais ardente e gratuito defensor.
A gente vai ver se descobre dinheiro
pelo meio, no bolso dos sabidos, povo e terra que se danem.
Nesta embrulhada, cujos nós começo a
desatar, quem merece nome em placa de rua, avenida ou praça, artigos
laudatórios, homenagens, comendas, cidadania, ser proclamado herói? – digam-me
os senhores. Aqueles que pugnam pelo progresso a todo custo – pague-se o preço
sem reclamar, seja qual for – a exemplo de Ascânio Trindade?
Se pagasse com a
vida, teria pago menos caro. Se não forem eles que outros? Não há-de ser a
Barbosinha ou a dona Carmosina, a Dário, comandante sem tropas a comandar, que
se confira tais honrarias, muito menos a Tieta, melhor dito, à madame. As
palavras também valem dinheiro, herói é vocábulo nobre, de muita consideração.
Agradecerei a quem me elucidar quando
juntos chegarmos ao fim, à moral da história. Se moral houver, do que duvido.
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