Linda, na sua nudez de mulher |
Tieta do Agreste
(Jorge Amado)
EPISÓDIO Nº 13
Na corte de amigos e admiradores a frequentar a Agência dos Correios e Telégrafos, enchendo com prosa e discussão as horas mortas, tantas! Dona Carmosina encontra parceiros para cada campo do conhecimento: com Aminthas e Fidélio – fracote, Fidélio – discute música, compositores e intérpretes; com Ascânio, o turismo no mundo e na Baía; com Elisa transa fofocas em torno de astros e estrelas de nosso cintilante céu artístico; com Barbosinha vasto, vasto é o campo do diálogo e polémica: da delicada ou agreste flor da poesia aos arcanos da filosofia espiritualista sendo o vate espírita teórico e vidente, ela, incrédula, negando encarnação e reencarnação, ímpia, a rir do céu e do inferno, vangloriando-se da condição de ateia.
Ateia, não, à toa,
Carmosina, mulher à toa; glosa Aminthas, metido a humorista.
Não menor a pauta de debates com o comandante Dário: os problemas
actuais do homem e do mundo, todos eles, das explosões atómicas à explosão
demográfica; da poluição estendendo-se sobre Los Angeles e São Paulo, Tóqui o e Rio de Janeiro, à guerra colonial portuguesa;
as possibilidades da terceira grande guerra e as intenções secretas dos
dirigentes das potências e superpotências – não esqueça a China, minha boa
amiga - ; o Médio Oriente, o destino de Israel, o petróleo árabe, os palestinos
e a análise dos romances lidos, policiais e de ficção científica, preferindo o
comandante os últimos, a levá-lo universo afora a longínquos planetas,
preferindo ela os de detectives, à maneira de Ágata Christie, a desafiar a
argúcia do leitor na descoberta do criminoso. Gaba-se dona Carmosina de acertar
sempre, de apontar o assassino antes que o faça Hercule Poirot.
Dos centros culturais de Agreste, a Agência dos Correios é de longe o
mais importante. Quando da sua sempre lembrada visita à cidade, convidada pelo
vate Barbosinha, ex-companheiro de boémia nas ruas, bares e castelos da
capital, o conhecido cronista de A Tarde, Giovanni Guimarães, infalível à tarde
na sala da agência para uma boa prosa, a batizara de Areópago e o nome pegou.
Sucede com frequência juntarem-se ali os três à mesma hora, dona
Carmosina, o poeta e o comandante Dário: o Areópago pega fogo, fagulhas de
talento arrastam gente do bar e das lojas, apenas para ouvir. O árabe Chalita é
habituê, não perde uma única palavra; não entende nada mas como admira!
Divertimento elevado e gratuito. Supimpa.
Só com Osnar não mantém dona Carmosina tema de conversa, desde rapazola
Osnar não se interessa por outras coisas nesse mundo de Deus além de cerveja,
bilhar e mulheres. Vasto o círculo de mulheres a despertar a cupidez de Osnar,
não sendo ele exigente ou dogmático.
Infelizmente, nessa numerosa assembleia de
desejadas (algumas facturadas) não se encontra dona Carmosina.
Admirador do seu
intelecto, Osnar despreza-lhe o físico, essa não me levanta o pau. Para dizer
toda a verdade, dona Carmosina não conseguira ainda despertar a concupiscência
de nenhum homem.
Sinónimo de concupiscência de sete letras – dona Carmosina morde o
lápis, rebusca na memória, já sabe: lascívia. Não, lascívia tem oito letras; de
sete, vamos ver, o que pode ser? Luxúria, está na cara.
Os olhos miúdos de dona
Carmosina, cercados de cílios ruços, perdem-se na rua onde prossegue o
movimento do sábado de feira, carroceiros buscando no acanhado comércio de
contadas lojas as compras indispensáveis, gastando as moedas parcas. Luxúria,
palavra forte.
Quando Perpétua casou, dona Carmosina teve um alento de esperança. Mas
isso já é outra história, aproveitemos e façamos uma pausa, dividindo o
capítulo, deixando o leitor respirar.
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home