(Domingos Amaral)
Episódio Nº 116
No segundo cavalo ia montado
um homem que tinha um rabo muito gordo que caía para cima da garupa do cavalo,
e à sua frente ia outro que estava sempre a coçar a cabeça.
Por fim, na garupa do terceiro
cavalo, encontrava-se um indivíduo de cara disforme, com enormes elevações nas
bochechas, cuja cor é avermelhada.
Metia impressão olhar para
ele e por isso Ramiro evitou fazê-lo, nem reparando bem no seu companheiro da
frente, que guiava o animal.
Ninguém falou até que
Gondomar deu ordem de paragem, já o céu estava alaranjado pelo nascer do sol.
Encontravam-se no meio de
uma floresta e ouviam-se os pássaros lançando os seus agitados pios matinais. À
beira da estrada havia uma clareira e Gondomar disse-lhes que desmontassem ali,
mandou colocá-los em círculo e depois ajoelhou e rezou uma oração em latim.
Ramiro reparou que o velho
cavaleiro tinha os olhos avermelhados, parecia estar sempre a chorar. No final
da reza ouviu-o dizer.
- Comamos.
O mestre foi junto do seu
cavalo e trouxe um saco com pães e distribuiu-os. Comeram em silêncio e depois
de terminarem Gondomar tomou a palavra.
Na nossa Ordem, não
interessa o passado, mas sim o futuro.
Olhando para Ramiro
prosseguiu:
- Temos um novo membro. Vai seguir connosco
para Soure. Entre nós não há bastardos nem infanções, nem ricos-homens nem
cavaleiros-vilões. Sereis iguais a todos e a cada um, um monge guerreiro.
Ramiro reparou que nenhum
dos presentes parecia lavrador ou artífice. Deviam ser gente da floresta,
antigos soldados ou servos, malados ou mesmo salteadores. Gondomar continuou:
- O nosso novo companheiro chama-se Ramiro e é
por esse nome que o devem tratar, a não ser que ele deseje outro.
Ramiro negou, abanando a
cabeça. Então Gondomar afastou-se um pouco, desaparecendo atrás de uma árvore.
Os restantes homens cercaram o novo recruta e começaram a apresentar-se. O mais
baixinho do grupo disse que o tratavam por Rato, pois era pequeno e conseguia
enfiar-se nos locais mais difíceis.
Ramiro viu um punhal com uma
pérola no seu topo, enfiado na cinta do homem, e estremeceu. Era o punhal de
seu pai! O mesmo que ele na sexta-feira quase usara para se matar, e que
desaparecera no sábado!
O pai perguntara pela arma,
mas Ramiro lembrava-se de o ter deixado em casa, em cima de uma mesa, e vira-o
no cinto de Paio Soares, sábado à tarde, durante o jantar.
De repente, reconheceu o
homem: era o criado que chocara com o pai à entrada da tenda! De certo, fora
nesse momento que roubara o punhal, aproveitando o descontrole do seu
progenitor.
O Rato era um ladrão, fugira
de Coimbra para evitar ser descoberto mas Ramiro nada disse e deixou o homem
seguinte apresentar-se.
Era o maior e o mais forte
de todos, afirmou que lhe chamavam Urso por ser assim, e os outros riram-se,
divertidos.
- De mim ninguém se ri – disse o homem de cara
disforme.
Aproximou-se de Ramiro,
ficando com o rosto em frente ao dele, para que o rapaz olhasse para as suas
horríveis feições, e resmungou:
- Se tendes medo do que vedes,
é melhor regressares a Coimbra, pois eu irei para a cova assim, não irei sarar.
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