segunda-feira, novembro 23, 2015

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)


Episódio Nº 116


















No segundo cavalo ia montado um homem que tinha um rabo muito gordo que caía para cima da garupa do cavalo, e à sua frente ia outro que estava sempre a coçar a cabeça.

Por fim, na garupa do terceiro cavalo, encontrava-se um indivíduo de cara disforme, com enormes elevações nas bochechas, cuja cor é avermelhada.

Metia impressão olhar para ele e por isso Ramiro evitou fazê-lo, nem reparando bem no seu companheiro da frente, que guiava o animal.

Ninguém falou até que Gondomar deu ordem de paragem, já o céu estava alaranjado pelo nascer do sol.

Encontravam-se no meio de uma floresta e ouviam-se os pássaros lançando os seus agitados pios matinais. À beira da estrada havia uma clareira e Gondomar disse-lhes que desmontassem ali, mandou colocá-los em círculo e depois ajoelhou e rezou uma oração em latim.

Ramiro reparou que o velho cavaleiro tinha os olhos avermelhados, parecia estar sempre a chorar. No final da reza ouviu-o dizer.

 - Comamos.

O mestre foi junto do seu cavalo e trouxe um saco com pães e distribuiu-os. Comeram em silêncio e depois de terminarem Gondomar tomou a palavra.

Na nossa Ordem, não interessa o passado, mas sim o futuro.

Olhando para Ramiro prosseguiu:

 - Temos um novo membro. Vai seguir connosco para Soure. Entre nós não há bastardos nem infanções, nem ricos-homens nem cavaleiros-vilões. Sereis iguais a todos e a cada um, um monge guerreiro.

Ramiro reparou que nenhum dos presentes parecia lavrador ou artífice. Deviam ser gente da floresta, antigos soldados ou servos, malados ou mesmo salteadores. Gondomar continuou:

 - O nosso novo companheiro chama-se Ramiro e é por esse nome que o devem tratar, a não ser que ele deseje outro.

Ramiro negou, abanando a cabeça. Então Gondomar afastou-se um pouco, desaparecendo atrás de uma árvore. Os restantes homens cercaram o novo recruta e começaram a apresentar-se. O mais baixinho do grupo disse que o tratavam por Rato, pois era pequeno e conseguia enfiar-se nos locais mais difíceis.

Ramiro viu um punhal com uma pérola no seu topo, enfiado na cinta do homem, e estremeceu. Era o punhal de seu pai! O mesmo que ele na sexta-feira quase usara para se matar, e que desaparecera no sábado!

O pai perguntara pela arma, mas Ramiro lembrava-se de o ter deixado em casa, em cima de uma mesa, e vira-o no cinto de Paio Soares, sábado à tarde, durante o jantar.

De repente, reconheceu o homem: era o criado que chocara com o pai à entrada da tenda! De certo, fora nesse momento que roubara o punhal, aproveitando o descontrole do seu progenitor.

O Rato era um ladrão, fugira de Coimbra para evitar ser descoberto mas Ramiro nada disse e deixou o homem seguinte apresentar-se.

Era o maior e o mais forte de todos, afirmou que lhe chamavam Urso por ser assim, e os outros riram-se, divertidos.

 - De mim ninguém se ri – disse o homem de cara disforme.

Aproximou-se de Ramiro, ficando com o rosto em frente ao dele, para que o rapaz olhasse para as suas horríveis feições, e resmungou:

- Se tendes medo do que vedes, é melhor regressares a Coimbra, pois eu irei para a cova assim, não irei sarar.

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