Pelas costas fuzilado caíu sem vida negro Tição |
Tocaia Grande
(Jorge Amado)
Episódio Nº 380
Dudu Matias, violeiro de Amargosa, dedicara inspiração e redondilhas a Pedro Cigano e a Dodô Peroba, "dois menestréis da vida".
Relatou com competência a chegada do
"rei dos sanfoneiros e do imperador dos passarinhos" ao Paraíso onde,
para atender
à corte celestial, logo Pedro Cigano Organizou
influído dançarás E Jesus dançou com Madalena enquanto Dodô Peroba
retirou do peito roto pelos clavinotes pássaro sofre e o ofereceu de presente
ao Padre Eterno Para consolar o Deus Menino E abrandar a eternidade.
Todos os violeiros, sem exceção, falaram
de Fadul, de sua força de gigante, da potência e do tamanho "da rola maior
que a enorme palma da mão, menor que o imenso coração", e recordaram Coroca,
"abençoada aparadeira de meninos, xibiu de chupeta, quanto mais velha mais
gostosa, na briga valera por dois homens, qui çá
por três".
Jesus da Mata, natural de Feira de
Santana, incomparável no improviso, tangendo a viola na boca do sertão,
espalhou dos canaviais do Recôncavo aos cacauais do sul o "ABC de Castor
Abduim, dito Tição", em cujas estrofes de pé-quebrado, em seis e sete sílabas
rimadas, traçou a saga do negro, personagem de mil amores e incontáveis
peripécias.
...Na francesia era um retado
De mucamas e madamas o queridinho
Comeu o bom e o melhor bocado
Dançou quadrilha, xote e miudinho
No exagero próprio dos poetas, afiançou
que o negro "baixou o braço em conde e em barão, botou chifres na lordeza
e na prelazia".
Referiu-se com emoção à morte do ferreiro
no tiroteio do pontilhão:
Pelas costas fuzilado
Caiu sem vida negro Tição
O mais grande feiticeiro
O mais destro ferreiro
De toda aquela região.
Morreu na mesma ocasião
Alma Penada seu cão de estimação.
Dudu Matias informava sobre a repercussão
universal da morte de Castor:
Foi grande a choradeira
Na corte da França e na Bahia
Pois o capeta não fazia distinção
Comia branca e negra ele comia
Com a maior satisfação
Todas elas lhe servia
Pra acabar com a solidão.
Os versos mencionavam raios e trovões na
hora última do negro Castor Abduim da Assunção, adolescente Príncipe de Ébano vadiando
no leito da baronesa e da mucama, ferrador de burros, artífice de jóias de
latão, filho de Xangô, com um lado de Oxóssi e outro de Oxalá, xodó de Oxum,
chamego de Iemanjá.
No fulgor dos raios, no ronco do trovão, raios
e trovões dos bacamartes, subiram aos céus negro Tição e seu cão Alma Penada que
ninguém sabia de onde viera: uma dádiva de Exu, não havia outra explicação.
Subiram aos céus numa labareda e lá podem
ser vistos até hoje por negras, mulatas, caboclas, brancas e fidalgas, no
rastro da lua, no campo das estrelas, sobrevoando os canaviais de Santo Amaro e
o rio das Cobras, na capitania de São Jorge dos Ilhéus.
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