segunda-feira, dezembro 07, 2015

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)

Episódio Nº 128





















Com os vossos casamentos – disse olhando também para mim e Maria – Toronho está salvo! Nem Afonso VII nem Gelmires nos vão invadir!

Vi que minha futura esposa punha o olhar sobre a sua irmã mais nova, como se lhe recordasse com subtileza que ela punha em causa a preservação dos territórios da família.

Apesar de a sentir desejosa, notei em Chamoa alarme e medo. Estava naturalmente dividida: a força da paixão puxava para Afonso Henriques, mas os superiores interesses da sua família levavam-na a submeter-se.

O agudo dilema torturou-a várias horas, mas no final do dia venceu o arrojo e o encantamento pelo príncipe.

Nessa mesma noite e depois de uma ceia privada, apenas em companhia dos pais e da irmã, a corajosa rapariga abandonou o seu quarto, envolta apenas num manto escuro e saíu por uma porta traseira da alcáçova, correndo pelas ruelas da pequena povoação.

Seguindo as minhas indicações, foi ao encontro dos meus doís amigos, que a esperavam junto ao casão agrícola, com três cavalos pela mão.

Mal os viu, exclamou;

- Príncipe, aqui estou!

Afonso Henriques abraçou-a, encantado, e beijaram-se na boca.

Depois afirmou.

 - Sois minha, bela Chamoa, e minha serás para sempre!

Ela encostou-se a ele, feliz e comovida, e logo Gonçalo os incentivou a montarem os cavalos para que pudessem fugir dali.

Contudo, ainda antes de o fazerem, um vulto surgiu no cimo da ruela, caminhando na direcção deles sem receio algum.

- Quem vem lá, perguntou Gonçalo já com a mão na espada.

O homem continuou a aproximar-se, enquanto Chamoa se escondia atrás de Afonso Henriques, temendo ter sido descoberta.

O príncipe levou também a mão à espada, mas a cinco metros deles ouviu-se a voz serena, mas fria, de Fernão Peres de Trava:

- Sois demasiado jovens para morrer, Afonso Henriques.

De súbito, vários soldados apareceram, vindos dos dois lados da ruela e das traseiras do casão agrícola.

Era óbvio que alguém os tinha descoberto, possibilitando as tropas galegas um cerco discreto, sem o príncipe e Gonçalo darem por isso.

Chamoa desatou a soluçar, percebendo que o seu sonho de fugir se desmoronara. E Gonçalo vendo que Afonso Henriques estava com vontade de lutar, murmurou-lhe:

 - Cuidado... ele mata-vos se quiser.

Sem sequer lhe responder, o príncipe ergueu a espada e preparou-se para a refrega. Relutante Gonçalo também pegou na sua arma, enquanto Chamoa gemia mais um pouco.

O primeiro a aproximar-se será trespassado! Avisou o príncipe.

Alguns dos soldados riram-se. Eram cerca de vinte, rodeavam totalmente o local, e a haver combate seria desigual e de desfecho óbvio.

Chamoa foi a primeira a percebê-lo e a agir em conformidade. Gemeu, aflita, olhando para Afonso Henriques:

 - Meu príncipe, perdoa a minha falta de coragem.

Afonso Henriques fitou-a, desesperado, e gritou:

 - Não podeis casar-vos, Chamoa!

A rapariga de olhos molhados e soluçando disse:

- Antes isso que ver-vos morto a meus pés.

Então, ouviu-se novamente a voz de Fernão Peres de Trava que comentou a atitude da sobrinha:

 - Alguém com bom senso, finalmente.

Afonso Henriques mirou-o, furioso, cerrando os dentes e ripostou.

Ides pagar por isto, maldito galego.

O Trava apenas sorriu cinicamente, enquanto Chamoa abraçou uma última vez o meu amigo. Depois, afastou-se e passou de cabeça baixa pelo tio, começando a subir a ruela em direcção a alcáçova, acompanhada por dois soldados.

Irritado, e ainda antes de Fernão Peres lhe virar as costas, o príncipe de Portugal soltou uma frase  mais perigosa do que uma declaração de guerra:

 - Um dia serás minha, bela Chamoa.



Se Afonso Henriques tivesse impedido o casamento de Paio Soares talvez muitos dos acontecimentos que se seguiram tivessem sido adiados ou até inexistentes.

A fúria do príncipe, já intensa desde Viseu, multiplicou-se na Maia, e a gravidade e ousadia dos seus passos tornaram a guerra contra sua mãe, praticamente inevitável.

Passo a passo, íamos a caminho do desastre. Todavia, a verdade, é que foi com esse desastre que construímos um novo mundo, um novo reino chamado Portugal

Site Meter