(Jorge Amado)
EPISÓDIO Nº23
DO SEGUNDO ROUND, COMPLETAMENTE FAVORÁVEL A DONA CARMOSINA, A CAMPEÃ DOS CORREIOS E TELÉGRAFOS
Nem dona Carmosina tomada de surpresa, tenta negar que Perpétua lavrara um tento. Confirma a tese jurídica, mas exibe aquele sorriso inocente, suspeitíssimo, de quem possui naipe marcado, carta decisiva:
- É isso mesmo. Vocês estão aí, estão ricos. Metade para seu Zé Esteves, a
outra metade para vocês as duas. Só falta é encontrar marido, não é?
- Exactamente – Perpétua domina a conversa e mesmo a agente dos Correios ouve
com atenção: - A gente nunca soube o nome inteiro do marido dela. Felipe, como
se não tivesse pai. Rico, isso se sabe, comendador também. Mas Felipe de quê?
Que tipo de indústria? Comendador do Papa ou do Governo? Sempre achei isso esqui sito mas encontrei logo a explicação, faz tempo.
Ao contrário do que pensara dona Carmosina, a Perpétua não bastara o cheque, o
dinheiro mensal. Também ela pusera a cabeça a pensar, a deduzir.
Igual a dona Carmosina, em cujos lábios, no entanto, permanece o sorriso
inocente, de criança.
- E que explicação encontrou?
Todos ansiosos por saber, Perpétua esconde a vaidade na voz sibilante,
desagradável, apesar da súbita fortuna:
- O marido proibiu que ela nos falasse dele para não ter, um dia, que prestar
contas… exactamente para isso.
- Será? – Dona Carmosina demonstra o cept icismo.
- Ela tinha era vergonha da gente, medo de que a gente, se soubesse mais sobre
o marido dela, começasse a explorar.
- Para Elisa, as sujeiras, as más intenções são dela, de Astério, do pai. Tieta
e os seus são ricos e bons, inatacáveis.
- Talvez. – Dona Carmosina parece pesar e medir, comparar os argumentos.
- Seja como for, minha parte ele vai me entregar, nem que eu tenha de virar
mundos e fundos. – Cada vez maior na cadeira, Perpétua não se dá ao trabalho de
contestar Elisa: - Vou descobrir o endereço, quando ele menos esperar estouro
na casa dele. O que é meu e dos meus filhos ninguém me tira.
- Tu falou hoje com padre Mariano, o que foi que ele disse?
- Disse para não nos apressarmos, que ainda não há provas da morte de
Antonieta, que a gente esperasse. Espere quem qui ser,
não eu! Segunda-feira me toco para Esplanada, vou conversar com o doutor Rubim…
- Com o Juiz de Direito? – Dona Carmosina balança a cabeça, parece de acordo.
Os olhos pequenos, semicerrados, consideram Astério e Elisa, pousam na imponência de Perpétua refastelada na cadeira de palha, parece um sapo-cururu.
Perdoa-me, Elisa, roubar a tua herança, tu e Astério merecem melhor sorte, mas não posso suportar a arrogância dessa caga-sebo. – É, essa história de sobrenome do marido de Tieta, eu também sempre achei muito atrapalhada. Só que cheguei a outra conclusão, diferente da de vocês duas.
Os olhos pequenos, semicerrados, consideram Astério e Elisa, pousam na imponência de Perpétua refastelada na cadeira de palha, parece um sapo-cururu.
Perdoa-me, Elisa, roubar a tua herança, tu e Astério merecem melhor sorte, mas não posso suportar a arrogância dessa caga-sebo. – É, essa história de sobrenome do marido de Tieta, eu também sempre achei muito atrapalhada. Só que cheguei a outra conclusão, diferente da de vocês duas.
- Perpétua não teme competição:
- Pois venha lá.
- Você, Perpétua, não levou em conta certos dados, eu diria pistas. Ela mandou
falar nas enteadas, não?
- Sim metade é para a família dele.
- Não é de herança que falo, essa herança não existe…
- Como?
- Não diga isso… - pede Astério, recaindo em dores.
Um casal como milhares de outros no Brasil. É a única explicação que existe e, nesse caso, somente a família dele tem direito à herança.
- Ai! – padece Astério, vendo a fortuna dissolver-se, a riqueza ir água abaixo,
breve ilusão, novamente pobre como Jó.
Perpétua é a única que não se altera, a não ser que se chame de sorriso a leve
contracção dos lábios:
- Como teoria, é engenhosa. Fora disso, não vale nada.
- Você tem melhor?...
- A minha é melhor e tenho provas.
- Provas, como?
- Casada, casadinha da silva, no religioso e no civil. Posso garantir e vou
provar.
- É o que eu quero ver. – Leve vacilação na voz de dona Carmosina.
Elisa, em lágrimas, Astério, rico e pobre, pobre e rico, sem saber se a dor
persiste ou não. Do fundo do bolso, Perpétua extrai um envelope e do envelope
um recorte de jornal:
- Você, que lê tantos jornais à custa dos outros, Carmosina, não leu esse.
- Vangloria-se da ajuda divina: - Quem é devoto de Sant’Ana, quem ocupa seu
tempo com as coisas da Igreja, conta com a protecção de Deus.
- Fale de uma vez! – até Astério se irrita, ele, em geral, tão tímido diante da
cunhada. - Desembuche!
Recorte na mão, Perpétua não tem pressa.
- Ainda não fazem dois meses, fui a Aracaju beijar a mão de Dom José, saber dos
estudos de Ricardo. Aproveitei e fiz uma visita a dona Nícia, a esposa do
doutor Simões, do Banco…
- Foi vender vestidos mandados por Tieta…
- Os que ficaram para mim. Melhor vender do que me exibir com eles. Nas
capitais, vá lá que se use, mas aqui …
Dona Nícia me mostrou um jornal de São Paulo, Folha de Manhã, a página social
com as notícias da gente importante, onde falavam de uma amiga dela que foi
visitar parentes. Me apontou uma notícia, dizendo: Penso que é sobre sua irmã.
Depois cortou o pedaço e me deu.
Coloca os óculos lentamente, aproxima o recorte da luz. Astério se levanta da
cadeira, Elisa muda de lugar para ficar perto, ninguém quer perder uma palavra.
Nesse momento exacto ouvem-se vozes na porta da rua:
- Tenha calma, homem!
- Nem calma nem meia calma, cambada de ladrões!
O velho Zé Esteves penetra na sala, acompanhado de Tonha. Plantado sobre as
pernas, o rosto fechado em ira, ergue o bordão e brada:
- Quero meu dinheiro, seus ladrões! Onde meteram, que fizeram dele?
O dinheiro que me manda e vocês roubam! Que invenção é essa de dizer que ela
morreu e por isso o dinheiro não chegou? Cambada de ladrões! Quero meu
dinheiro, agora!
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