(Domingos Amaral)
Episódio Nº 128
Com os vossos casamentos – disse olhando também para mim e Maria – Toronho está salvo! Nem Afonso VII nem Gelmires nos vão invadir!
Vi que minha futura esposa
punha o olhar sobre a sua irmã mais nova, como se lhe recordasse com subtileza
que ela punha em causa a preservação dos territórios da família.
Apesar de a sentir desejosa,
notei em Chamoa alarme e medo. Estava naturalmente dividida: a força da paixão
puxava para Afonso Henriques, mas os superiores interesses da sua família
levavam-na a submeter-se.
O agudo dilema torturou-a
várias horas, mas no final do dia venceu o arrojo e o encantamento pelo
príncipe.
Nessa mesma noite e depois
de uma ceia privada, apenas em companhia dos pais e da irmã, a corajosa
rapariga abandonou o seu quarto, envolta apenas num manto escuro e saíu por uma
porta traseira da alcáçova, correndo pelas ruelas da pequena povoação.
Seguindo as minhas
indicações, foi ao encontro dos meus doís amigos, que a esperavam junto ao
casão agrícola, com três cavalos pela mão.
Mal os viu, exclamou;
- Príncipe, aqui estou!
Afonso Henriques abraçou-a,
encantado, e beijaram-se na boca.
Depois afirmou.
- Sois minha, bela Chamoa, e minha serás para
sempre!
Ela encostou-se a ele, feliz
e comovida, e logo Gonçalo os incentivou a montarem os cavalos para que
pudessem fugir dali.
Contudo, ainda antes de o
fazerem, um vulto surgiu no cimo da ruela, caminhando na direcção deles sem
receio algum.
- Quem vem lá, perguntou Gonçalo
já com a mão na espada.
O homem continuou a
aproximar-se, enquanto Chamoa se escondia atrás de Afonso Henriques, temendo
ter sido descoberta.
O príncipe levou também a
mão à espada, mas a cinco metros deles ouviu-se a voz serena, mas fria, de
Fernão Peres de Trava:
- Sois demasiado jovens para
morrer, Afonso Henriques.
De súbito, vários soldados
apareceram, vindos dos dois lados da ruela e das traseiras do casão agrícola.
Era óbvio que alguém os
tinha descoberto, possibilitando as tropas galegas um cerco discreto, sem o
príncipe e Gonçalo darem por isso.
Chamoa desatou a soluçar,
percebendo que o seu sonho de fugir se desmoronara. E Gonçalo vendo que Afonso
Henriques estava com vontade de lutar, murmurou-lhe:
- Cuidado... ele mata-vos se qui ser.
Sem sequer lhe responder, o
príncipe ergueu a espada e preparou-se para a refrega. Relutante Gonçalo também
pegou na sua arma, enquanto Chamoa gemia mais um pouco.
O primeiro a aproximar-se
será trespassado! Avisou o príncipe.
Alguns dos soldados riram-se.
Eram cerca de vinte, rodeavam totalmente o local, e a haver combate seria
desigual e de desfecho óbvio.
Chamoa foi a primeira a
percebê-lo e a agir em
conformidade. Gemeu , aflita, olhando para Afonso Henriques:
- Meu príncipe, perdoa a minha falta de
coragem.
Afonso Henriques fitou-a,
desesperado, e gritou:
- Não podeis casar-vos, Chamoa!
A rapariga de olhos molhados
e soluçando disse:
- Antes isso que ver-vos
morto a meus pés.
Então, ouviu-se novamente a
voz de Fernão Peres de Trava que comentou a atitude da sobrinha:
- Alguém com bom senso, finalmente.
Afonso Henriques mirou-o,
furioso, cerrando os dentes e ripostou.
Ides pagar por isto, maldito
galego.
O Trava apenas sorriu
cinicamente, enquanto Chamoa abraçou uma última vez o meu amigo. Depois,
afastou-se e passou de cabeça baixa pelo tio, começando a subir a ruela em
direcção a alcáçova, acompanhada por dois soldados.
Irritado, e ainda antes de
Fernão Peres lhe virar as costas, o príncipe de Portugal soltou uma frase mais perigosa do que uma declaração de
guerra:
- Um dia serás minha, bela Chamoa.
Se Afonso Henriques tivesse
impedido o casamento de Paio Soares talvez muitos dos acontecimentos que se
seguiram tivessem sido adiados ou até inexistentes.
A fúria do príncipe, já intensa
desde Viseu, multiplicou-se na Maia, e a gravidade e ousadia dos seus passos
tornaram a guerra contra sua mãe, praticamente inevitável.
Passo a passo, íamos a
caminho do desastre. Todavia, a verdade, é que foi com esse desastre que
construímos um novo mundo, um novo reino chamado Portugal
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