Linda, na sua nudez de mulher |
Tieta do Agreste
(Jorge Amado)
EPIDÓDIO Nº31
DA VOLTA DA FILHA PRÓDIGA A AGRESTE, ONDE, NO PONTO DA MARINETA,
A FAMÍLIA EM LUTO PELA
MORTE DO COMENDADOR, OS MENINOS DO CATECISMO, PADRE MARIANO,
TASCÂNIO DE ANDRADE, COMANDANTE DÁRIO, PETA DE MATOS BARBOSA, O ÁRABE CHALITA,
DIVERSAS OUTRAS FIGURAS GRADAS, SEM ESQUECER A MALTA DO BILHAR, MUITO MENOS
DONA CARMOSINA, NA MÃO UM BUQUÊ DE FLORES COLHIDAS NO JARDIM DE CASA POR DONA
MILÚ, O CLERO, A BURGUESIA E O POVO, ESTE REPRESENTADO PELO MOLEQUE SABINO E
POR BAFO DE BODE
Agrupados em quatro ou cinco locais, nas vizinhanças do cinema, ponto de
paragem de marinete de Jairo, esperam ouvir a buzina rouquenha na curva da
entrada da cidade.
Na Igreja, sob a batuta do padre Mariano, os meninos do
catecismo, nas roupas domingueiras, além de perpétua e do filho seminarista, de
batina e livro de missa, risonho mocetão em férias.
No Bar dos Açores, à excepção do proprietário em mangas de camisa, todos
engravatados: Osnar, Seixas, Fidélio, Aminthas, guarda de honra do cunhado
Astério, sufocado no terno negro, empréstimo de Seixas, magricela.
Perpétua
concordara com que, durante a semana, reduzisse o nojo à braçadeira preta, ao
fumo no chapéu e na lapela. Mas, para a cerimónia das boas vindas, exige luto
fechado, traje, gravata e compunção.
- Faz questão porque não tem de comprar, vive de luto. Mas onde vou buscar
dinheiro para fazer terno?
- Tive de comprar para Peto.
- Um par de calças curtas, ora.
- Por que não toma emprestado? Seixas aliviou o luto.
Boa lembrança, não fosse a diferença de peso entre os dois. A duras penas, com
o auxílio de Elisa, conseguiu enfiar as calças. O paletó não abotoa e abriu sob
os dois sovacos mas o descosido só aparece quando Astério levanta os braços.
Peto foge da Igreja e da mãe, vem para o bar. Cara lavada, cabelos penteados,
coisas raras; camisa branca de mangas compridas, gravata borboleta, antiguidade
do falecido Major.
O pior são os sapatos. Os pés, livres nas ribanceiras e na correnteza do rio,
não se adapt am. Osnar goza a figura
e as caretas do menino:
- Sargento Peto, você está uma tetéia. Se eu fosse chegado a comer menino, hoje
era seu dia. Sua sorte é que não sou apreciador.
- Não chateie.
Apesar dos sapatos, Peto não esconde a satisfação: durante a permanência da tia
dormirá em casa de Astério, no quartinho dos fundos, longe das vistas e dos
horários estritos da mãe, poderá acompanhar Osnar e Aminthas, Seixas e Fidélio
pelas ruas à noite, nas escusas caçadas a provocar comentários e risos:
- Passa fora, moleque, isto é conversa de homem…
Só Osnar abre-lhe perspectivas!
- Um dia desses, sargento, eu lhe levo pra caça. Tá chegando a idade. Vá
preparando a espoleta.
Perpétua decidira que no quarto de Peto ficará a enteada de Antonieta. Como o
resto da casa, foi lavado com creolina, esfregado, varrido até à última
partícula de pó, folhas de pitanga no chão, para perfumar. Há uma semana, a
pequena Aracy, emprestada por Elisa pelo tempo que durar a estadia das
paulistas, se entrega a uma faxina em regra.
Residência confortável, na esqui na
da Praça da Matriz com o Beco das Três Marias, Peto não necessitaria mudar-se,
caso Perpétua tivesse aceite a opinião de Astério; as duas hóspedes no quarto
de Ricardo, os dois meninos no de Peto.
Mas Perpétua num desparrame de cortesia
– fora atacada de mania de grandeza ou tinha algum plano armado na cabeça? Dona
Carmosina ainda não chegara a uma conclusão – decidira colocar Antonieta na
alcova fresca e ampla, deixando-lhe, por mais inacreditável que possa parecer o
uso da cama de casal com colchão de lã de barriguda, onde rebolara com o Major
durante o tempo feliz e curto do matrimónio.
Contado não se acreditaria: o
quarto dela e do Major? Impossível! Como as coisas mudam, Deus do Céu! Dona Carmosina
arregala ao máximo os olhos miúdos num espanto.
Cama de casal, colchão de barriguda, penteadeira, armário enorme, móveis
pesados de jacarandá. O Major comprara a casa mobilada nas vésperas do
casamento, uma pechincha. O único herdeiro de dona Eufrosina, falecida aos
noventa e quatros Janeiros, um sobrinho, vivia em Porto Alegre , nunca
pusera os pés em Agreste, mandou vender a casa e móveis por qualquer oferta,
desde que à vista. Tão pouco havia outro candidato, à vista ou a prazo.
Na sala de visitas, enorme, oito janelas dando para a rua, sai o corredor até à
sala de jantar. De cada lado dois quartos, um dos quais, em frente à alcova,
desde priscas era transformado em gabinete de leitura pelo finado doutor
Fulgêncio Neto, esposo de dona Eufrosina, médico de fama nos idos do progresso.
A secretária, com dezoito gavetas, sendo uma delas cofre com segredo; a estante
com livros de medicina e obras de Alexandre Dumas e Victor Hugo. O Major não
buliu no gabinete, gostava de nele permanecer após o almoço, sentado em frente
da escrivaninha, lendo jornais da Baía; atrasados de uma semana, ou tirando uma
pestana na rede. Ali, Ricardo faz banca mesmo em férias, uma hora por dia. A
seguir, face a face, os quartos de Ricardo e Peto, ambos requi sitados por Perpétua.
No de Ricardo, onde fica o
oratório, dormirá ela própria; no de Peto, a tal Leonora. Ricardo ocupará o
gabinete onde já estão os seus livros de estudo. Acomoda a moleca Araci no
depósito de frutas, no qui ntal, no qui ntal, sobre a improvisada enxerga. Perpétua
comandou a arrumação e a limpeza da casa.
Comandou tudo quanto se referiu à
chegada e estadia de Tieta.
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