quinta-feira, dezembro 03, 2015

Linda, na sua nudez de mulher
Tieta do Agreste
(Jorge Amado)


EPISÓDIO Nº 21






















Cruzeiros marítimos… - Volta a esclarecer dona Carmosina.

… - mas digo sem convicção, já me convenci que ela morreu.

- O pior é que a notícia está correndo na rua, é só no que se fala. Barbosinha ficou desolado, o pobre. Teve um namoro com Tieta pouco antes dela ir embora. Ele pensa que eu não sei…

- Seu Barbosinha? Acabado daquele jeito…

- Faz quase trinta anos… era um rapagão, bem mais velho do que ela, é verdade, e franzino. Franzino sempre foi… Tieta não gostava de mocinhos jovens… - Suspira, como passa o tempo!

– Você não deve perder a esperança. Onde está a prova de que ela morreu? Me mostre, se puder. Agora, vou indo.

– Fica em dúvida, a pergunta a coçar-lhe a boca:

- Você vai ao cinema? Se quiser passo para lhe buscar.

- Hoje, não. Perpétua vai vir para discutir com Astério e comigo, ela inventou umas histórias de herança… mas não é por isso que não vou… Não vou, porque hoje não tenho vontade, sabe? Nem ia ver o filme direito.

- Entendo… herança, que conversa é essa?

Elisa toma-lhe a mão, suplica:

- Se você deixasse o cinema para amanhã e voltasse, para mim ia ser tão bom! Acho que para nós todos, até para Perpétua. Você entende dessas coisas…

- Pois eu volto, fique descansada. Engulo a comida, determino umas regras em casa, daqui a pouco estou aqui de novo.

Ora, se vinha! Não há filme que a faça perder aquele prato, que invenção era essa, de herança?

Perpétua não é tola. Ademais, o dever de amiga mandava-a estar ao lado de Elisa nessa hora de provação.

As duas coisas: o dever e o prazer, há tão pouca diversão em Agreste, mesmo para a agente dos Correios.

Pena fosse sábado, dia de cinema. O filme vinha de Esplanada, pela marinete, sendo exibido no sábado à noite e duas vezes no Domingo, a primeira às três da tarde, em matiné. A sessão de sábado reúne a melhor gente, os graúdos da cidade, vários com lugares marcados pelo hábito, naquelas cadeiras ninguém se senta: as cadeiras de Modesto Pires e da esposa, dona Aida e duas filas atrás, a de Carol.

A matiné repleta de meninos a gritar, insuportável: a cada tiro ou soco de caubói uma algazarra, a cada beijo de mocinho o mundo vem abaixo. Na soarê de Domingo repete-se a barulheira.

Derradeira exibição do filme, na bilheteira o árabe Chalita mercadeja lugares ao sabor da aceitação da película. Nas de pouco êxito, vende a qualquer preço. Nos grandes sucessos nem de pé é mais barato.

A amizade exige sacrifícios: amanhã, em companhia de dona Milú dona Carmosina enfrentará a sessão nocturna dos domingos, o berreiro, a fumaceira.

Cabeça baixa, ar doentio, Astério chega directamente da loja, nos sábados só após o banho e o jantar vai às carambolas. 

Hoje terá Perpétua em vez de Aminthas, Seixas e Fidélio, em lugar de Osnar, perde na troca. Dona Carmosina o considera, com lástima: um trapo.

- Boa noite, Astério. Vou em casa mas volto para a conversa.

- A conversa?...

- Sob Tieta…

- Ah! Sim. Que coisa mais sem explicação. Não entendo…

A luz dos postes, acesa ao toque da ave-maria, apenas atinge a calçada mas a lua cheia derrama ouro e mel sobre Agreste, iluminando as ruas e o rio, a estrada e os atalhos, os últimos feirantes no caminho das roças.

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