Linda, na sua nudez de mulher |
Tieta do Agreste
(Jorge Amado)
EPISÓDIO Nº 21
Cruzeiros marítimos… - Volta a esclarecer dona Carmosina.
… - mas digo sem convicção, já me convenci que ela morreu.
- O pior é que a notícia está correndo na rua, é só no que se fala.
Barbosinha ficou desolado, o pobre. Teve um namoro com Tieta pouco antes dela
ir embora. Ele pensa que eu não sei…
- Seu Barbosinha? Acabado daquele jeito…
- Faz quase trinta anos… era um rapagão, bem mais velho do que ela, é
verdade, e franzino. Franzino sempre foi… Tieta não gostava de mocinhos jovens…
- Suspira, como passa o tempo!
– Você não deve perder a esperança. Onde está a
prova de que ela morreu? Me mostre, se puder. Agora, vou indo.
– Fica em
dúvida, a pergunta a coçar-lhe a boca:
- Você vai ao cinema? Se qui ser passo para lhe buscar.
- Hoje, não. Perpétua vai vir para discutir com Astério e comigo, ela
inventou umas histórias de herança… mas não é por isso que não vou… Não vou,
porque hoje não tenho vontade, sabe? Nem ia ver o filme direito.
- Entendo… herança, que conversa é essa?
Elisa toma-lhe a mão, suplica:
- Se você deixasse o cinema para amanhã e voltasse, para mim ia ser tão
bom! Acho que para nós todos, até para Perpétua. Você entende dessas coisas…
- Pois eu volto, fique descansada. Engulo a comida, determino umas
regras em casa, daqui a pouco estou
aqui de novo.
Ora, se vinha! Não há filme que a faça perder aquele prato, que
invenção era essa, de herança?
Perpétua não é tola. Ademais, o dever de amiga
mandava-a estar ao lado de Elisa nessa hora de provação.
As duas coisas: o
dever e o prazer, há tão pouca diversão em Agreste, mesmo para a agente dos
Correios.
Pena fosse sábado, dia de cinema. O filme vinha de Esplanada, pela
marinete, sendo exibido no sábado à noite e duas vezes no Domingo, a primeira
às três da tarde, em matiné.
A sessão de sábado reúne a melhor gente, os graúdos da
cidade, vários com lugares marcados pelo hábito, naquelas cadeiras ninguém se
senta: as cadeiras de Modesto Pires e da esposa, dona Aida e duas filas atrás,
a de Carol.
A matiné repleta de meninos a gritar, insuportável: a cada tiro ou
soco de caubói uma algazarra, a cada beijo de mocinho o mundo vem abaixo. Na
soarê de Domingo repete-se a barulheira.
Derradeira exibição do filme, na
bilheteira o árabe Chalita mercadeja lugares ao sabor da aceitação da película.
Nas de pouco êxito, vende a qualquer preço. Nos grandes sucessos nem de pé é
mais barato.
A amizade exige sacrifícios: amanhã, em companhia de dona Milú
dona Carmosina enfrentará a sessão nocturna dos domingos, o berreiro, a
fumaceira.
Cabeça baixa, ar doentio, Astério chega directamente da loja, nos
sábados só após o banho e o jantar vai às carambolas.
Hoje terá Perpétua em vez
de Aminthas, Seixas e Fidélio, em lugar de Osnar, perde na troca. Dona
Carmosina o considera, com lástima: um trapo.
- Boa noite, Astério. Vou em casa mas volto para a conversa.
- A conversa?...
- Sob Tieta…
- Ah! Sim. Que coisa mais sem explicação. Não entendo…
A luz dos postes, acesa ao toque da ave-maria, apenas atinge a calçada
mas a lua cheia derrama ouro e mel sobre Agreste, iluminando as ruas e o rio, a
estrada e os atalhos, os últimos feirantes no caminho das roças.
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