Linda, na sua nudez de mulher |
Tieta do Agreste
(Jorge Amado)
EPISÓDIO Nº 19
Durante a leitura, chega o vate Barbosinha, fica a ouvir.
O Comandante faz questão de começar de novo para o amigo não perder nenhum
pormenor: na Itália aparecera por fim um juiz macho!
- Ouça com atenção este pedaço: Um dos defensores dos acusados, o
advogado Garaventa, utilizou este argumento: a directoria da indústria sempre
agiu com todas as autorizações administrativas necessárias. Qual será, no caso
de uma condenação, a opinião dos cidadãos sobre a administração pública que
concedeu as permissões?
- Bem argumentado! – atalha Barbosinha. – Os homens estavam dentro da
lei, agindo de acordo com as autoridades…
- Dentro da lei, coisíssima alguma! As autoridades é que são
salafrárias, em conúbio com os monstros ávidos por dinheiro.
Ouça o resto: O
argumento, entretanto, não intimidou o juiz Viglietta, pertence a uma nova
geração de jovens magistrados que não se detêm ante os poderosos. Bravos, juiz!
- Mas se os homens estavam agindo de acordo com a lei…
- Que lei? Lei foi a que o juiz aplicou, escute e não interrompa, a
gente discute depois, se você qui ser:
Ele se baseou numa lei italiana de 14 de Julho de 1965… – o próprio comandante
interrompeu para comentar: - Bem recente, hei!
Por fim, começam a aprovar as
leis que se fazem necessárias… – retorna a leitura: - … raramente invocada, que
prevê penalidades para todos os que lançam ao mar substâncias estranhas àquelas
que fazem parte da composição normal das águas naturais, que constituem perigo
para os peixes e que provoquem a alteração química ou física do meio aquático.
Prosseguiu a leitura até ao fim, dona Carmosina ouvindo com renovado
entusiasmo, Barbosinha distraidamente. Com o seu veredicto, o juiz Viglietta
pretendeu advertir todos aqueles que tomam o mar por uma lata de lixo,
ameaçando de morte o Mediterrâneo.
- Juiz porreta! Desses estamos precisando no mundo todo, a começar por
São Paulo! Seu Barbosinha, nós não nos damos conta do privilégio que é viver
nesse pedaço de paraíso, criado por deus e felizmente esquecido pelos homens! –
volta-se para dona Carmosina: - Posso guardar, Carmosina?
- Tirei a página para lhe dar…
Enquanto o comandante dobra a folha do jornal, Barbosinha interroga
dona Carmosina:
- Que houve com Tieta? Ouvi dizer que desencarnou…
A pergunta recorda-lhe as revistas esquecidas por Elisa, dona Carmosina
vai buscá-las, coloca-as ao lado da bolsa:
- Tomara que não, mas tudo indica que sim.
- Quem? – quer saber o Comandante.
- Antonieta, Tieta, sabe quem é, não?...
- É claro que sim… sucedeu-lhe alguma coisa?
- Pelo jeito morreu. Não há informação, ainda.
- Vai ver, de câncer, na poluição de São Paulo. Só os milhares de
automóveis a vomitar gases…
Despede-se, dona Laura o espera:
- Obrigado pelo artigo, Carmosina. Esse juiz lavou-me a alma.
Carmosina prepara-se para fechar a Agência, ainda deve passar em casa
de Elisa, antes do jantar, a pobre está agoniada. Barbosinha, cabeça baixa,
distante, concentrado, enxerga no horizonte algo invisível para dona Carmosina.
Barbosinha é vidente.
Ninguém sabe – outro segredo jamais revelado, esse, nem à gente dos
Correios ele o confiou – ter sido Tieta a musa inspiradora dos mais belos
versos dos dois livros publicados e dos inéditos, cinco volumes inéditos, do poeta
De Matos Barbosa, Antonieta Esteves, paixão devoradora, fatal.
Desencarnada, num círculo astral estrela cadente. Escreverá um
derradeiro poema, a morte não existe, ó bem amada, o corpo é reles envoltório e
de novo te encontrarei e serás finalmente minha pois te desejo desde há cinco
mil anos quando, escravo, te reconheci princesa maia e o amor custou-me a vida;
qui s-te livrar de um monastério na
Idade Média e fui atirado ao calabouço, amarrado de correntes, preso às rodas:
segui tuas pegadas nos rios do Indostão e o meu corpo apodrecido boiou nas
águas; te reencontrei um dia, pastora de cabras, saltando sobre as pedras.
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