terça-feira, dezembro 01, 2015

Linda, na sua nudez de mulher
Tieta do Agreste
(Jorge Amado)


EPISÓDIO Nº 19





















Durante a leitura, chega o vate Barbosinha, fica a ouvir. O Comandante faz questão de começar de novo para o amigo não perder nenhum pormenor: na Itália aparecera por fim um juiz macho!


- Ouça com atenção este pedaço: Um dos defensores dos acusados, o advogado Garaventa, utilizou este argumento: a directoria da indústria sempre agiu com todas as autorizações administrativas necessárias. Qual será, no caso de uma condenação, a opinião dos cidadãos sobre a administração pública que concedeu as permissões?

- Bem argumentado! – atalha Barbosinha. – Os homens estavam dentro da lei, agindo de acordo com as autoridades…

- Dentro da lei, coisíssima alguma! As autoridades é que são salafrárias, em conúbio com os monstros ávidos por dinheiro. 

Ouça o resto: O argumento, entretanto, não intimidou o juiz Viglietta, pertence a uma nova geração de jovens magistrados que não se detêm ante os poderosos. Bravos, juiz!

- Mas se os homens estavam agindo de acordo com a lei…

- Que lei? Lei foi a que o juiz aplicou, escute e não interrompa, a gente discute depois, se você quiser: Ele se baseou numa lei italiana de 14 de Julho de 1965… – o próprio comandante interrompeu para comentar: - Bem recente, hei! 

Por fim, começam a aprovar as leis que se fazem necessárias… – retorna a leitura: - … raramente invocada, que prevê penalidades para todos os que lançam ao mar substâncias estranhas àquelas que fazem parte da composição normal das águas naturais, que constituem perigo para os peixes e que provoquem a alteração química ou física do meio aquático.

Prosseguiu a leitura até ao fim, dona Carmosina ouvindo com renovado entusiasmo, Barbosinha distraidamente. Com o seu veredicto, o juiz Viglietta pretendeu advertir todos aqueles que tomam o mar por uma lata de lixo, ameaçando de morte o Mediterrâneo.

- Juiz porreta! Desses estamos precisando no mundo todo, a começar por São Paulo! Seu Barbosinha, nós não nos damos conta do privilégio que é viver nesse pedaço de paraíso, criado por deus e felizmente esquecido pelos homens! – volta-se para dona Carmosina: - Posso guardar, Carmosina?

- Tirei a página para lhe dar…

Enquanto o comandante dobra a folha do jornal, Barbosinha interroga dona Carmosina:

- Que houve com Tieta? Ouvi dizer que desencarnou…

A pergunta recorda-lhe as revistas esquecidas por Elisa, dona Carmosina vai buscá-las, coloca-as ao lado da bolsa:

- Tomara que não, mas tudo indica que sim.

- Quem? – quer saber o Comandante.

- Antonieta, Tieta, sabe quem é, não?...

- É claro que sim… sucedeu-lhe alguma coisa?

- Pelo jeito morreu. Não há informação, ainda.

- Vai ver, de câncer, na poluição de São Paulo. Só os milhares de automóveis a vomitar gases…

Despede-se, dona Laura o espera:

- Obrigado pelo artigo, Carmosina. Esse juiz lavou-me a alma.

Carmosina prepara-se para fechar a Agência, ainda deve passar em casa de Elisa, antes do jantar, a pobre está agoniada. Barbosinha, cabeça baixa, distante, concentrado, enxerga no horizonte algo invisível para dona Carmosina. Barbosinha é vidente.

Ninguém sabe – outro segredo jamais revelado, esse, nem à gente dos Correios ele o confiou – ter sido Tieta a musa inspiradora dos mais belos versos dos dois livros publicados e dos inéditos, cinco volumes inéditos, do poeta De Matos Barbosa, Antonieta Esteves, paixão devoradora, fatal.

Desencarnada, num círculo astral estrela cadente. Escreverá um derradeiro poema, a morte não existe, ó bem amada, o corpo é reles envoltório e de novo te encontrarei e serás finalmente minha pois te desejo desde há cinco mil anos quando, escravo, te reconheci princesa maia e o amor custou-me a vida; quis-te livrar de um monastério na Idade Média e fui atirado ao calabouço, amarrado de correntes, preso às rodas: segui tuas pegadas nos rios do Indostão e o meu corpo apodrecido boiou nas águas; te reencontrei um dia, pastora de cabras, saltando sobre as pedras.

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