terça-feira, dezembro 22, 2015

Tieta das prendas...
Tieta do Agreste
(Jorge Amado)


EPISÓDIO Nº 37

















O meu está na caixa de jóias, em cima da penteadeira, avisa Tieta. Caixa de jóias soa bem aos ouvidos dos parentes. 

Leonora exibe os dois anéis, verde-esmeralda, o seu, branco esfumaçado o de Tieta. Criação de um artista famosíssimo, Aldemir Martins, seus quadros valem milhões.

Muito amigo do Comendador, Tieta o conhece, conhece muita gente importante de São Paulo, na indústria, na política, no comércio, nas artes e nas letras.

Menotti del Picchia frequenta sua casa. Dona Carmosina, leitora de as Máscaras e de Juca Mulato, quer saber do poeta, se é tão romântico em pessoa quanto sua poesia. Já está velhote mas vive cercado de moças bonitas, ainda não perdeu o apetite, conta Tieta.

Ninguém pense ter sido Tonha esquecida por madrasta. Além do rádio ganha saia e blusa trazidas por Tieta; um colar azul e lilás, lembrança de Leonora. Nem sabe agradecer, limpa os olhos, faz tanto tempo do último presente, uma fivela para prender os cabelos, comprada pelo Velho na feira. Ainda usa, em sua mão as coisas duram.

Para dona Carmosina, colar, pulseira e anel de fantasia, galanteza de conjunto. Gosta mesmo?

Tieta quer saber. Adoro. Adorou também a caneta esferográfica com cargas de diversas cores: obrigado, Nora, considere-me sua amiga para sempre.

Para dona Milú fazer paciência, uma caixa com dois baralhos, de plástico, laváveis e um xaile italiano para a cabeça. Até a pequena Araci, da porta da cozinha a espiar, ganhou um broche, bijuteria em forma de coração para o vestido dos domingos. Uma vez na vida outra na morte vai à matiné.

Um ostentório para a igreja, venha ver, Perpétua. Acha que o padre vai gostar? Se vai gostar, que pergunta! Custódia mais bela deve ter custado os tubos. Não foi barato mas não foi também todo esse dinheiro. Para remir os meus pecados… - 

Tieta ri, joga a cabeça para trás, Ricardo não pode imaginá-la pecadora. Que santa reúne a alegria e a devoção?

Pronto, acabaram-se os presentes. Ainda não, falta o porta retrato de prata onde Perpétua colocar a fotografia do Major envergando a farda de gala da Polícia Militar.

A viúva perde a fala, faz um gesto, Ricardo entende, vai buscar o retrato guardado a sete chaves na escrivaninha. 

Agora, emoldurado em prata, sobre a mesa, o perene sorriso (o bestial sorriso do Major no dizer de Aminthas, metido a humorista), a fisionomia franca, só falta o vozeirão. Perpétua fita longamente o falecido: o esposo fizera-lhe todas as vontades e dois filhos.

Tieta conseguira comovê-la, uma lágrima brota dos olhos gázeos, a primeira lágrima genuína chorada por ela após o pranto pela morte do Major. Perpétua amolece, eleva a voz sibilante:

- Ele era bom demais. Eu não pensava mais em casar, muito menos com um marido como ele. Minha natureza é… - procura a palavra: - … ríspida.

Padre Mariano diz que eu não sei o que seja misericórdia. Antes de casar com Cupertino, só pratiquei o mal pensando fazer o bem. Quero que você, Antonieta, me…

Dona Carmosina arregala os olhos miúdos. Perpétua vai pedir perdão à irmã, facto inaudito. Mas Tieta corta a frase:

- Isso tudo já passou, Perpétua. Eu também não mereci o homem bom que tive e fez de mim o que sou hoje. Não demonstro mas sinto demais a falta dele. Pena que o Major tenha morrido sem dar tempo da gente se conhecer. Mas ficaram os filhos – Estende os braços: - Venham cá, meus amores, beijar essa coroa que é a tia de vocês.

De batina, tão engraçado e sem jeito, o mais velho. O mais novo, matreiro, esperto, um azougue. O beijo de Ricardo apenas roça-lhe as faces, o do pequeno é cálido, já tem malícia. 

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