Mãe me disse que você é minha prima... |
Tieta do Agreste
(Jorge Amado)
EPISÓDIO Nº 57
DO BANHO DO RIO COM OS SOBRINHOS, O ATREVIDO E O RECATADO
Diverte-se Tieta com os sobrinhos. Peto, um espoleta, reinador,
matreiro a rondar em torno delas, da tia de São Paulo e da formosa enteada,
quando não está no bar instruindo-se no que não deve. No que não deve?
- Esse menino é a minha cruz. Ponho-o de castigo, arreio-lhe a taça com
vontade, nem assim. Em vez de estudar, vive no bar aprendendo porcarias… tenho
um desgosto! Lastima-se Perpétua, constatando a ausência do filho menor.
- Porcarias? – Antonieta adora arreliar a irmã, escandalizá-la – pois
fique sabendo que já estão ensinando essas coisas na escola, li nos jornais que
vai ser obrigatório, desde o primário.
- Nas escolas, o quê?
- Aulas de educação sexual para meninos e meninas.
- Cruz credo! – benze-se, puxa do terço, o mundo está perdido.
Peto desemboca na varanda, contente da vida, o ar sonso, o olho velhaco
regalando-se nos seios entre-vistos, nas pernas e coxas à mostra; vai ter uma
indigestão, sorri Tieta.
Vem recordar o banho no rio, programado para aquela
manhã. Perpétua ordena a Ricardo que se prepare e acompanhe a tia. Irão à Bacia
de Catarina.
No caminho, carregado com os instrumentos de pesca, Peto conversa com
Leonora:
- Mãe me disse que você é minha prima. É mesmo?
- Sou sim, Peto. Está contente com essa prima feiosa?
No bar, Peto escuta Osnar provocando Seixas sempre ocupado a levar as
primas sempre ao cinema, ao banho de rio, a passear com elas, são várias: minha
prima Maria das Dores para cá, minha prima Lurdinha para lá, minha prima Lalita
chegou da roça.
Osnar cantarola a paródia de certa melodia italiana, come
prima… quem tem prima come prima. No bar, aplicado, Peto se educa.
- Contente, pacas. Feiosa? Pô – o olho atrevido atravessando a saída de
banho – Só é bonita. Seu Ascânio está gamado.
- Quem?
- Morda aqui – estende o
dedo mínimo – diga que não sabe. Pô!
Mistura as expressões da terra com a gíria que ouve na rádio, freguês
de programas de música jovem. Tieta e Ricardo ficaram para trás.
- A tia é legal, gosto dela pacas.
A Bacia de Catarina é uma pequena enseada na curva do rio, onde as
margens se afastam na maior distância. A correnteza serpenteia entre pedras,
seixos, rochedos, águas claras, límpido abrigo.
Antigamente havia horário para homem e mulheres banharem-se separados
na Bacia de Catarina, duas vezes por dia, pela manhã e à tarde.
Com o
aparecimento dos maiôs e a evolução dos costumes – mesmo em Agreste os costumes
evoluem – desapareceram os horários e a separação.
De manhã cedinho é certo
encontrar seu Edmundo Guerreiro, Aminthas e Fidélio. Seixas na farra com Osnar
até ao alvorecer, aparece mais tarde comboiando primas.
Lavadeiras batem roupa
sobre as pedras. Lavadeira foi Catarina, conta a lenda
Lá vai Catarina
Com sua bacia
O patrão atrás
De fala macia
A água é fria
Quente a bacia
De Catarina
Por volta das seis surge Carol, passa em silêncio, sem dar trela a
ninguém, todos espiam. A água é fria, é quente a bacia, na de Carol mergulha
somente Modesto Pires, um despropósito!
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