(Domingos do Amaral)
Episódio Nº 198
O fedayn semicerrou os olhos, irritado, com tantas mentiras.
- Quem as ajudou a fugir de
Coimbra? Havia um homem com elas.
A bruxa não voltara a ver
Mem, mas gostara dele, era fácil gostar daquele almocreve meigo e corajoso, e
por isso nunca iria denunciá-lo ao monstro que lhe matara o pai.
O fedayn suspirou: era evidente que ela não iria falar, a não ser que
a torturasse, mas mesmo assim era pouco provável. Aquela mulher velha e doente
não devia temer a morte.
Olhou para o teto da caverna
e viu pequenas sombras nas cavidades das rochas.
São os vossos morcegos?
Dizem que atacam às vossas ordens.
A bruxa semicerrou os olhos
e avisou-o:
- O inferno vai cair sobre vós. Vai haver uma
guerra entre os cristãos, no Norte Portucalense. Um novo rei vai nascer, e
depois ele virá para Sul e vai matar-vos.
O fedayn soltou uma gargalhada de desprezo e perguntou:
- É por isso que vos chamam a guardiã das
Portas do Inferno?
A mulher mais uma vez não
respondeu, e o fedayn insistiu:
- Também dizem que os cristãos procuram uma
relíqui a escondida, e que só vós
sabeis onde ela está. Afirma-se que, se a encontrarem, vencem a guerra contra
os almorávidas.
Desta vez a bruxa riu-se com
um certo gozo.
O povo acha que as bruxas
sabem tudo. Escondo uma reliqui ,
protejo as mouras, mando em morcegos.
A Morte com Duas Pernas já
tomara a sua decisão. Era óbvio que a mulher nada mais ia dizer, e por isso não
havia qualquer razão para a manter viva.
Levantou-se mas nesse
momento ouviram-se uns guinchos, e muitos dos morcegos que estavam pousados
esvoaçaram pela gruta e depois enfiaram-se pelos túneis, e saíram dali.
A mulher murmurou:
- Inventam cada coisa sobre as bruxas...
O fedayn começou a juntar panos, esteiras e sacos, fazendo uma pilha.
Ao remexer numa sacola encontrou as bolas de fogo e atirou uma ao chão o que
fez surgir uma enorme labareda.
O fogo dos infernos,
exclamou divertido.
Depois levantou a bruxa do
chão, atou-lhe as mãos e os pés para a imobilizar totalmente, e pousou-a em
cima da pilha que amontoara. A seguir, foi até à fogueira, pegou em dois
troncos e lançou-os para a pilha.
Pouco depois, fios de fumo e
pequenas labaredas começaram a ver-se. A bruxa não se conseguiu mexer e era
impossível rodar para qualquer um dos lados, pois o fedayn não a deixava, dando-lhe pontapés enquanto gritava:
- Morre guardiã das Portas
do Inferno, morre no próprio fogo!
Deu um salto para trás e,
com um gesto brusco, atirou uma primeira bola, que explodiu numa grande
labareda. Instantes depois lançou uma segunda, rindo-se quando uma nova língua
de fogo se ergueu.
As chamas já chegavam à
bruxa, começando a queimá-la mas quando o fedayn
esperava os seus primeiros berros de sofrimento, ouviu-se um grito nas suas
costas. Virou-se e viu um velho de barbas, enrolado num manto branco.
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