quinta-feira, março 24, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)



 Episódio Nº 221




















Cada vez mais furioso, acusou:

- Haveis desprezado os nobres, o clero e o povo, que vive na miséria! Vós sois a traidora, haveis trocado o Condado pelo Trava!

Com um grito zangado, exclamou:

 - Haveis traído a memória de meu pai desde Há muitos anos!

Ao ouvir falar no Conde Henrique, Dona Teresa reagiu, finalmente:

 - Nunca traí a memória de vosso pai, sempre lutei pelos seus territórios! A Galiza deve ser nossa! É essa a minha luta!

 - Mentis, sempre haveis mentido. Sabeis bem que foi vossa irmã, com a vossa colaboração, que mandou envenenar meu pai! Não prestais! Sois como vossa irmã Urraca, doida varrida!!

Nesse momento, Afonso chamou-me. Entrei na tenda e vi-o apontar para a mãe, enquanto ordenava:

 - Lourenço Viegas, põe-na a ferros, nas masmorras de Guimarães!

Fiquei surpreendido com a ordem, mas Afonso Henriques repetiu-a, e então chamei alguns guardas, aproximei-me e prendi Dona Teresa. Ela teve um ataque de fúria, mas não conseguindo libertar-se, berrou:

 - Se me prendeis com ferros, um dia os ferros vos colherão também!

Assustei-me com aquela maldição que a mãe lançava ao filho e murmurei ao ouvido do meu melhor amigo:

 - Não a prendeis com ferros, é vossa mãe!

Mas ele não se comoveu, e ficou-me para sempre no coração o temor de que um dia aquela maldição se iria concretizar.

Ainda o sinto hoje, tantos anos depois.




Guimarães, Julho de 1128



Os dias que se seguiram à vitória na batalha de São Mamede foram de júbilo geral entre os portucalenses, mas também de vistoso reboliço em Guimarães.

A cidade estava em festa e acorreram a ela as mais importantes figuras do Condado. Os primeiros a chegar foram o Braganção e Sancha Henriques, que prestou o seu apoio incondicional ao irmão, embora tenha igualmente intercedido pela mãe e pelo cunhado Bermudo.

Em parelha com a irmã Urraca Henriques, convenceu Afonso Henriques a libertá-lo, o que aconteceu cinco dias após a batalha. Depois de destituir Bermudo do posto de governador de Viseu, o príncipe mandou exilá-lo em Seia.

O esbaforido Gomes Nunes, sabendo da vitória, veio também prestar-lhe a sua homenagem apressada e interesseira.

Desiludido, Afonso Henriques perguntou-lhe:

 - Porque não haveis cumprido a vossa promessa de Tui?

- Atrapalhado, o pai de Chamoa justificou-se com a sua periclitante posição: era sogro de Paio Soares, cunhado dos Travas, apoiar o príncipe podia ser-lhe fatal em caso de derrota.

- Mas, agora que venci, estais do meu lado... – comenta Afonso Henriques.

Desagradado, não garantiu protecção de Toronho contra Afonso VII, a não ser que Gomes Nunes conseguisse convencer Chamoa a casar-se com ele , logo que Paio Soares morresse.

 - Se o fizerdes protejo-vos e a Tui – disse o príncipe.

O atarantado Gomes Nunes, com a mulher Elvira atrelada, saiu do castelo aflito, quase ao mesmo tempo que deu entrada pelas portas da muralha o arcebispo Paio Mendes, que muito satisfeito ficou quando Afonso Henriques lhe jurou ir lutar pelos direitos de Braga, defendendo a cidade episcopal contra Compostela, numa missiva que foi imediatamente enviada ao papa.

Os portucalenses nunca se haviam sentido tão unidos e, à roda do seu príncipe, os nobres, os ricos-homens, o clero e o povo de Entre-Douro e Minho celebraram alegremente aqueles tempos em que nascia mais uma nação.

Houve mesmo uma forte emoção, quando Afonso Henriques, assinando o seu primeiro documento como governante, usou um florão e a palavra Portugal para o autenticar.


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