sexta-feira, março 25, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)

Episódio Nº 222



















- Seremos independentes, sempre! – exclamou meu pai, Egas Moniz.

Todos estávamos eufóricos, mas notei que uma única situação ensombrava o coração do nosso príncipe de Portugal. Paio Soares continuava moribundo, na tenda do provisório acampamento de Dona Teresa.

As mesinhas, os pós e os cuidados de Zulmira haviam estancado o sangue e as infecções mas o seu estado geral era grave e ninguém arriscava uma previsão optimista.

Ao quinto dia, verificando que a situação do marido não se agravara, Chamoa tomou a iniciativa de partir com as três mouras, transportando o enfermo numa carroça até Maia, enquanto seus pais regressavam cabisbaixos a Tui.

Com a partida da sua paixão, a mortificação e a tristeza abateram-se sobre Afonso Henriques e foi talvez devido a esse estado de melancolia que o príncipe de Portugal reagiu mal quando meu pai e sua esposa lhe relembraram a promessa, feita meses antes a Afonso VII, de ir a Toledo prestar-lhe homenagem.

Teresa de Celanova estava, naturalmente, desejosa que essa viagem acontecesse, e o malicioso Gonçalo não deixou de o notar.

- Não pensa noutra coisal...

Meu pai zangou-se cansado daqueles remoques. Porém, o que mais surpreendeu os presentes foi a recusa perentória de Afonso Henriques de realizar a viagem.

- Que dizeis? – espantou-se meu pai – Haveis prometido!

O príncipe franziu a testa:

 - A Galiza é nossa. Enquanto meu primo não o reconhecer, não lhe presto vassalagem!

Espantado, meu pai perguntou:

 - Desejais ser rei da Galiza?

Na sala nem todos estavam interessados naquela celeuma.

O Braganção dava peidos, justificando-se com os feijões que comera; o arcebispo Paio Mendes sorria, agradado por se manter acesa a querela com Compostela; meu tio Ermígio suspirava pensando que a guerra só agora estava a começar; Soeiro de Sousa e seu filho Gonçalo trocavam olhares cúmplices sobre a Celanova; e eu estava preocupado com minha esposa Maria, que decidira seguir a irmã até Maia.

Por fim, a um canto, o recém-chegado Peres Cativo mantinha-se à margem das polémicas.

Meu pai deu então um passo em frente. Só ele e meu tio Ermígio se podiam dirigir ao príncipe pelo nome inicial, pois haviam-no educado.

- Afonso, dei a minha palavra, é a minha honra que está em causa! Prometi a Afonso VII, para salvar esta nossa cidade, a vossa vassalagem, se ele levantasse o cerco!

Fi-lo em vosso nome e o rei cumpriu a sua palavra. Em Compostela, Afonso VII admitiu a possibilidade de vós serdes rei da Galiza, sendo ele Imperador!

Indiferente àqueles argumentos, Afonso Henriques encolheu os ombros.

Meu primo que me garanta primeiro Astorga, Zamora, Límia, Celanova e Tui! Estou farto de mentiras e vou lutar pelos meus direitos.

Indignado com tanta teimosia, meu pai perguntou:

 - Porque está vossa mãe nas masmorras? Afonso VII nunca fará rainha da Galiza uma prisioneira a ferros!

Um rumor crítico percorreu a assistência. Era evidente que muitos não estavam de acordo com aquele encerramento. O Trava, a todos dava gozo que estivesse preso, mas Dona Teresa, apesar dos seus erros, era rainha de Portugal, não sendo justo mantê-la enjaulada como se de um animal feroz se tratasse.

Captando essa primeira e subtil revolta, o príncipe foi lesto a anunciar a decisão:

 - Minha mãe será levada para o castelo de Lanhoso, onde ficará viver na companhia das suas filhas mais novas. Não poderá de lá sair, nem receber visitas do Trava durante um ano.

Um alívio geral distendeu a sala.


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