sexta-feira, abril 01, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)

Episódio Nº 229






















- Foi uma batalha!

Abanando a cabeça, Chamoa indignou-se:

 - Paio Soares teve-vos na ponta da sua espada e poupo-vos. E vós feriste-o! Por vossa causa morreu o pai dos meus filhos!

Fora em consequência dos ferimentos que o antigo mordomo-mor de Dona Teresa morrera, embora ele tivesse passado quase um ano moribundo. Talvez tivesse sido mal tratado ou mal curado.

O príncipe defendeu-se assim, mas Chamoa nada mais disse. Então colocou-lhe uma questão diferente:

 - Paio Soares falou-vos de uma relíquia que pertenceu a meu pai?

Agora que vencera a guerra contra sua mãe, o príncipe dava pela primeira vez importância àquele assunto, que no passado quase ignorara.

 - Vosso marido queria falar comigo durante a batalha, mas...

Afonso Henriques calou-se, sentindo a trágica ironia daquela situação. Não ouvira o mordomo quando era possível, ferira-o gravemente , e agora que ele morrera queria saber o que lhe quisera dizer.

Desolada, Chamoa limitou-se a abanar a cabeça:

 - Meu marido nunca mais falou. Atingido na boca e na garganta, Paio soares ficara desfigurado e impossibilitado de falar.

O príncipe culpou-se: emudecera o único homem que lhe poderia revelar o segredo do conde Henrique!

Pesarosa, Chamoa acrescentou:

 - O que sei é que meu marido tinha grande admiração por vosso pai.

O príncipe questionou-a.

 - Então, porque me hostilizou? Porque não se passou para o nosso lado, conforme lhe pedi em Lamego?

Chamoa alegou que várias vezes tentara convencer o marido, mas este sempre recusara mudar de partido. Aceitara ser mordomo-mor porque a amava e queria casar com ela e dela ter filhos, não porque admirasse dona Teresa.

Orgulhosa, a rapariga declarou:

 - Foi por minha causa que morreu, para não me perder para vós. E por isso lhe prometi não casar convosco e entrar no mosteiro, e vós não o podeis impedir. Aqui é Deus que manda e essa é a sua vontade!

O príncipe irritou-se e exclamou.

 - Não faleis em nome de Deus, de quem não conheceis as vontades! Se entrais nesse mosteiro, é porque o desejais!

Aquele grito não era o de um homem desesperado, que temesse perder a sua amada, mas sim o de um príncipe ameaçador, e por isso Chamoa desiludiu-se.

Se ele a amasse, pensou, ajoelhava-se e implorava por ela. Mas dava-lhe ordens como se ela fosse já esposa dele.

Incomodada, afastou-se de Afonso Henriques em silêncio. Beijou novamente os três filhos e os pais, o tio e o primo, abraçou as três mouras.

Zaida tinha as lágrimas nos olhos, quando Chamoa se dirigiu para a porta do mosteiro, onde duas monjas a aguardavam.

Ao Vê-la dar aquele passo, Afonso Henriques ainda lhe gritou em desespero:

 - Chamoa, não entreis nessa porta!

A rapariga não olhou sequer para trás, e quando desapareceu no interior do mosteiro Afonso Henriques desatou a atirar pedras à parede, colérico.

Só passado algum tempo, se aproximou da pequena comitiva. Olhando para Fernão Peres, rosnou:

 - Regressai à Galiza ou ainda vos mato!

O amante de sua mãe apenas respondeu:

- Vim despedir-me da minha sobrinha, nada mais.

Irritado, Afonso Henriques deu meia volta e subiu para o cavalo, enquanto nas suas costas Fátima comentava:

 - Continua sem saber lutar contra mulheres.


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