sexta-feira, abril 29, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)





Episódio Nº 253






















Afonso Henriques ainda se sentia culpado pela morte do marido de Chamoa. Apaixonado pela rapariga aniquilara o único homem que lhe poderia contar o segredo da relíquia.

Depois de um curto e embaraçado silêncio, perguntou:

 - Devo ser vassalo do meu primo Afonso VII ou lutar contra ele?

Dona Teresa defendeu que o filho deveria batalhar por aquilo que era de seu pai e dela, fosse no Sul contra os sarracenos, fosse no Norte, na Galiza, Lisboa e Santarém eram dos portucalenses; Zamora, Astroga, Tui, Límia e Celanova também.

Incomodado o príncipe levantou-se.

Mas Fernão Peres quer guerrear-me para me tirar essas terras!

Dona Teresa baixou os olhos, nunca seria capaz de dizer uma palavra contra o dono do seu coração. Então, o príncipe relembrou que se a mãe o tivesse deixado casar com Chamoa, não teria existido guerra.

- Quer queiram ou não, irei casar com ela! – acrescentou.

Dona Teresa reagiu àquela afirmação intempestiva com uma careta repugnada, que a fez parecer ainda mais zangada e envelhecida.

- Chamoa não é mulher para vós. É uma tola só pensa em homens!

- Quem sois vós para falar assim?

Dona Teresa ignorou-o e defendeu que qualquer casamento era uma aliança: faziam-se filhos para termos quem nos acudisse na guerra.

Amigos e amores eram coisas diferentes. Ainda por cima, Chamoa, já tinha três filhos de Paio Soares. Indignada, como se fosse uma mãe que zela pelo futuro de um filho casadoiro, acrescentou:

 - Roma jamais aceitaria o vosso matrimónio. Se desejais ser rei, despojai uma princesa estrangeira, não uma galega duvidosa, que até no mosteiro dorme com o primo, o Mem Touges!

O príncipe olhou-a, intrigado. Porquê tanto asco à rapariga? E seria verdade que a rapariga se encontrara com o primo? Depois de novo ataque de tosse, Dona Teresa avisou-o:

 - O Fernão e o arcebispo Gelmires que já nos roubaram muitas relíquias no passado, vão procurar a que meu marido trouxe da Terra Santa. Querem oferecê-la a Afonso VII quando ele for coroado imperador.

Colocando no rosto um sorriso cínico reforçou a intriga:

 - Sabeis quem os ajudou? Chamoa! Só ela sabia o segredo do marido! Traiu-vos, está feita com o tio e o Gelmires!

Enervado com a possível deslealdade da rapariga galega, Afonso Henriques fez um esforço para reprimir os seus sentimentos, e imaginou um futuro alternativo.

Lembrando-se do que Mem lhe contara depois da viagem à serra morena, sugeriu:

- Posso sempre desposar uma princesa de Córdova.

Dona Teresa esboçou nova careta desdenhosa. Já sabia que Zulmira morrera e o califa de Marraquexe continuava a tentar eliminara as filhas dela, mas não esquecera as bulhas antigas entre as crianças.

Se bem me lembro a Fátima odeia-vos.

Depois, quase espantada, perguntou:

- Quereis casar com a mais nova, a Zaida.

Afonso Henriques fez uma pausa antes de dizer, num tom solene que muitas vezes usava quando se referia ao seu célebre avô:

 - O imperador da Duas Religiões casou com a moura Zaida. O neto de Afonso VI pode também casar-se com a neta dessa Zaida.

Não esqueçais que a filha de Zulmira é também neta do último califa de Córdova. Se eu desposasse a princesa Zaida reinaria não só no condado Portucalense, mas também nas taifas de Sevilha, Badajoz e Mértola. Lisboa e Santarém voltariam a ser nossas sem guerras!


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