quinta-feira, abril 28, 2016

Tieta do Agreste
(Jorge Amado)

EPISÓDIO Nº 132
























Cresce o hino sobre a praça e o casario na voz das crianças e dos populares. Se ninguém der um viva a Ascânio, eu perco a vergonha e dou! – ameaça Leonora em pensamento, revoltada com tanta ingratidão.

Chega a vez de padre Mariano, acolitado por Ricardo em vermelho e branco, galante e piedoso. Bendito seja Deus! Suspira dona Edna, ao lado de Terto, seu marido (não parece mas é). Os olhos de Cinira pregados no coroinha, nas partes aquela comichão.

Também Tieta contemplou o sobrinho e sorriu. Não teme as rivais, seu único rival é Deus e entraram em acordo, para Deus a alma, o corpo, para a piedosa tia.

Padre Mariano benze o jardim, o obelisco, a praça, todos os presentes. Reserva bênçãos especiais para o nosso ínclito chefe, o coronel Artur de Figueiredo, para o benemérito munícipe Modesto Pires, para a generosa, exemplar ovelha da nossa paróquia, Dona Antonieta Esteves Cantarelli, e para sua gentil enteada. Que não lhes falte jamais a graça do Senhor, amem. Gotas sagradas sobre as cabeças mais próximas, adianta-se Perpétua para recebê-las.

O engenheiro da Petrobrás, doutor Pedro Palmeira, usa da palavra para agradecer, em nome do sogro. Refere-se à paz e à beleza de Agreste: que jamais sejam conturbadas pelos horrores de um mundo de violência. A barba negra, os cabelos longos, na moda, também ele provoca olhares, apetites e frustrações. Ao lado, de sentinela, a esposa, filha do lugar, conhecedora.

Por fim discursa Ascânio Trindade, em representação do coronel Artur de Tapitanga, cuja voz não mais alcança as alturas indispensáveis aos tropos oratórios.

Inflamado, buscando inspiração nos olhos de Leonora, prevê dias de glória, gloriosos e iminentes, para Sant’Ana do Agreste. Os prezados concidadãos podem-se alegrar, pois próximo o fim do marasmo e da pobreza, das dificuldades, da pasmaceira.

É possível que se localize em Agreste a sede de um novo pólo industrial a ser implantado no Estado da Bahia, a competir com o Centro Industrial de Aratu, nas proximidades da capital. Volverão os tempos da fartura, novamente teremos motivos de orgulho, nosso rincão bem amado resplandecerá, luminosa estrela no mapa do Brasil.

- Que diabo o Capitão Ascânio está arquitectando? – Pergunta Osnar.

- Ele está escondendo leite.

- Escondendo? Bem, Ascânio ainda não quer divulgar os planos da empresa de turismo, parece que são formidáveis – retruca dona Carmosina.

- Ele se referiu a pólo industrial.

- Força de expressão. Você não vai negar que o turismo é hoje uma indústria da maior importância – Dona Carmosina explica: - O que acontece é que Ascânio está apaixonado.

- Baratinado… - concorda Aminthas.

Com um brado vibrante: Salve Sant’Ana do Agreste! Ascânio encerra a fogosa e confusa oração. Do fundo da praça Modesto Pires, chega a voz de cachaça de Bafo de Bode no tardio viva:

- Viva Ascânio Trindade e viva a sua namorada! Quando é o casório, Ascânio?

Leonora enrubesce em meio aos risos de Elisa e dona Carmosina. Livres dos discursos, moças e rapazes aos pares, de mãos entrelaçadas, circulam no passeio, inaugurando-o de facto. Leonora fita Ascânio, estende-lhe a mão, mais um par de amorosos a contornar a praça. Dona Carmosina suspira, comovida.

Da casa de Laerte Curte Couro saem improvisadas garçonetes, funcionárias do Curtume, com bandejas de pastéis, empadinhas e cálices de licor. Servem aos convidados de honra, oferta de modesto Pires. O coronel Artur de Tapitanga senta-se num dos bancos verdes, de ferro, confidencia a Antonieta, enquanto lhe alisa a mão e examina os anéis – são verdadeiros ou falsos os brilhantes? Se verdadeiros, valem uma fortuna:

- Meu afilhado Ascânio vai acabar maluco com essa história de turismo.

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