terça-feira, abril 19, 2016

Tieta do Agreste

(Jorge Amado)

EPISÓDIO Nº 125
























Pedido, súplica, queixume, a voz trémula do menino dividido entre ela e Deus, cabrito no pasto de Tieta, levita do santuário. Bastaria uma palavra, um gesto, um olhar para retê-lo a seu lado, para impedir igreja e sacramento. Um menino, um levita, eleito e pecador, casto e lascivo, forte e frágil. Um menino de Deus. Dela, o Deus Menino.

- Vá e rogue a Deus por mim. Vou me roer de saudade, na tua ausência. Te quero aqui amanhã.

Falta e ausência iria sentir, a roê-la por dentro, quando embarcasse na marinete para São Paulo, com certeza não bastariam algumas lágrimas nem lavar a xoxota bem lavada.

Ai, meu menino, levita de Deus! Ensinara-lhe o amor, o gosto de mulher, as delícias, os sabores requintados, fizera-o homem. Quando ela for embora, Ricardo buscará noutros braços, noutro colo, noutro regaço as sensações, a exaltação e a alegria aprendidas em Mangue Seco.

Tieta sente uma raiva súbita, decide em definitivo demorar em Agreste até pelo menos a inauguração da luz. Para gozar durante mais umas semanas esse desperdício de prazer, esse mar revolto, essa ventania desvairada.

Depois, ela o deixará para Deus, livre do medo e dos perigos da castidade que conduz à tristeza e ao mal, quem sabe é Tieta, vítima da conspiração das beatas, bruxas fedendo a donzelice encruada. Frustradas e amargas, as solteironas odeiam o próximo. Assim era Perpétua antes de casar-se, antes do Major.

No Domingo pela manhã, a exposição punitiva descera da lancha de Elieser enchendo de risos a praia de Mangue Seco. Juntaram-se todos diante das erguidas paredes da biboca de Tieta, as ripas para o telhado começavam a ser colocadas, num tronco de coqueiro o habilidoso Comandante Dário gravara o nome escolhido: Curral do Bode Inácio. Fizeram coro ao merecido elogio do ausente seminarista, pronunciado pelo Comandante: Tieta devia a Ricardo a rapidez do adianto da obra.

Mais tarde, andando para os cômoros, Antonieta ouvira o relato de dona Carmosina.

- Falei com Ascânio sobre o que você me contou a respeito de Leonora… Essa história de noivado no Sul, as viagens, a pílula, você sabe…

Tieta afetara surpresa e inquietação:

- Você disse a ele que Leonora não é virgem? Meu Deus, Carmô? – mas logo concordara – Pensando bem, acho que assim é melhor, que ele saiba a verdade. Eu te agradeço, Carmô. Deve ter sido desagradável.

- Se foi… Mas estou contente: pensei que ele ia romper com Leonora, desistir, não querer mais ver a cara dela, mas Ascânio superou o preconceito, Tieta. Um cara direito. Não quer que ela saiba que eu contei, é um cavalheiro.

Tieta aprovara com a cabeça, rindo por dentro. O que o cavalheiro deseja, ela sabe demais: sem cabaço a contê-lo, Ascânio vai tratar de dormir com Nora, passar-lhe a vara, exactamente como Tieta previra.

Se antes, apaixonado, sonhara noivado e casamento, desistiu ao saber da verdade, nenhum homem de Agreste casa com moça deflorada. Mas nem por isso é tolo a ponto de largá-la de mão quando nada o impede de levá-la aos esconsos do rio, sob os chorões em noite sem lua. Com o que estariam resolvidos os problemas de Leonora.

Depois, lavar o xibiu, derramar algumas lágrimas na partida. Por que diabo Ricardo demora tanto a voltar, ela se perguntara olhando o rio do alto das dunas sem descobrir sina da canoa de Jonas. Na igreja, na missa das oito, talvez o coroinha houvesse dado conta dos olhares lúbricos, da boca aberta, ávida a exibir a ponta da língua, de dona Edna, putíssima e vulgar. Audaciosa.

Site Meter