(Domingos Amaral)
Episódio Nº 19
Tui, Dezembro de 1131
Foi por minha exclusiva culpa que não conhecemos mais cedo os planos do Trava contra o Condado Portucalense. Naquele Natal, eu e minha mulher não fomos a Tui passar a quadra festiva com a família dela.
Maria Gomes andava
indisposta à semanas e, convencido de que ela esperava finalmente uma criança,
recusei-me a viajar por temer os solavancos da estrada e a travessia do Rio
Minho.
- Lourenço, não temais, sou
resistente – contestou ela.
Mas a decisão estava tomada
e, ao contrário do que fizéramos nos últimos anos, ficámos em Guimarães, enquanto
em Tui, como de costume, Gomes Nunes e Elvira Peres de Trava, os pais de Maria e
Chamoa, aproveitaram a ocasião para reunirem os Trava.
Por lá apareceram Bermudo
Peres de Trava e a esposa Urraca Henriques, irmã do nosso príncipe, bem como inevitável
Fernão Peres.
E, desta vez, compareceu
também Mem Rodrigues de Tougues, filho do outro irmão Trava e pai do quarto
filho de Chamoa, nascido nesse Verão.
Embora não vivessem como
marido, pois minha cunhada recusara ligar-se ao primo direito, o filho comum
forçava a aproximação entre os dois.
Da última vez que a havíamos
visitado, Chamoa jurou-me que jamais dividira o leito com o Tougues, nem dele
voltaria a procriar, por continuar enamorada de Afonso Henriques.
Porém, minha mulher, que
conhecia bem a mana, comentava na viagem de regresso:
- Chamoa não suporta os pés frios na cama... no
Natal unem-se.
Assim seria embora não pelas
razões previstas. Não foi por falta de aquecimento pedestre que Chamoa se
enfiou finalmente na cama com Mem Tougues, mas sim por lealdade a Afonso
Henriques, por mais estranho que isso possa parecer.
Naquele Natal, os Trava
pareciam em perda acentuada. Depois de visitar as filhas em Lanhoso, Fernão
Peres jamais voltara ao Condado Portucalense.
Seu irmão Bermudo que
organizara uma pífia revolta em Seia, fora expulso definitivamente das terras
regidas pelo príncipe de Portugal.
Quanto à mãe de Chamoa,
passara a desconsiderar Afonso Henriques por este ter expulso a filha de Guimarães,
enquanto seu marido, Gomes Nunes, vivia dividido nas lealdades.
Obrigado a constantes
malabarismos em defesa do seu interesse último, a manutenção da posse do
Condado de Toronho, cuja capital era a cidade de Tui, acredito que, no íntimo,
aquele nobre portucalense desejava juntar-se a nós, pois odiava Afonso VII,
tanto como no passado abominara a mãe dele, Dona Urraca.
Mas, sendo casado com uma
Trava, esse laço familiar sabotava a relação com Afonso Henriques.
O único motivo de alegria de
Gomes Nunes eram os netos. Maria ainda não lhe tinha dado, mas Chamoa já
proporcionara quatro rapazes, três de Paio Soares e um de Mem Tougues, e a mera
presença de petizes fazia aquele avô esquecer as agruras de Toronho.
Paciente e bonacheirão,
gorducho e de movimentos lentos, Gomes Nunes nunca fora um guerreiro e as suas
atitudes receosas pareciam impostas pelas limitações físicas do corpo.
Há muito que tomara a sábia
decisão de se deixar levar pelos acontecimentos sem os contrariar
comportando-se como uma cana embalada pelo vento.
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